Quarto de despejo de Carolina Maria de Jesus: edição comemorativa

De em dezembro 17, 2022

Carolina Maria de Jesus no lançamento de seu livro em 1960

 

 

Relato direto e sem rodeios da vida na favela.
A realidade dura e crua descrita por quem mora e vive as agruras de uma favela em plenos anos 1950 e 1960 na maior cidade brasileira, São Paulo.

 

De uma maneira geral este é o resumo da obra clássica da escritora mineira Carolina Maria de Jesus, Quarto de despejo- diário de uma favelada, lançado em 1960 e que ganhou edição comemorativa da Editora Ática.
Além do texto original escrito em forma de diário, com a reprodução fiel da linguagem da autora, a presente edição traz novas notas de rodapé e uma série de textos analíticos da obra, desde o prefácio da escritora Cidinha da Silva até as críticas de Alberto Moravia/1962, Otto Lara Resende/1977, Carlos Vogt/1983, Audálio Dantas/1993 que descobriu o talento de Carolina, Marisa Lajolo/1995, José Carlos Sebe Bom Meihy/1998, Elzira Divina Perpétua/2014 e Fernanda Miranda/2020.

 

 

Carolina na extinta favela Canindé/SP

 

“Somos pobres, viemos para as margens do rio. As margens do rio são os lugares do lixo e dos marginais. Gente da favela é considerada marginais. Não mais se vê os corvos voando as margens do rio, perto dos lixos. Os homens desempregados substituíram os corvos”.

 

 

 

 

O clássico além do reconhecimento e de trazer valores intrínsecos, sempre nos ensina. Quarto de despejo se enquadra perfeitamente neste conceito. Impressionante a atualidade da obra, principalmente quando Carolina relata sua dor por não ter o que dar para os três filhos se alimentarem. Hoje em pleno século XXI, mais de 60 anos após o relato da autora sobre a favela Canindé (onde hoje fica a Marginal Tietê, na capital paulista), vivemos com a trágica realidade de mais de 33 milhões de brasileiros que passam fome! O número de desempregados também permanece na cifra de milhões!

 

 

Mais do que a denúncia sobre as péssimas condições de vida dos favelados, Carolina Maria de Jesus permanece como ícone de força e luta contra as injustiças sociais. Mulher, negra, pobre, favelada, com pouca instrução (estudou apenas dois anos na escola primária) e mãe solo de dois meninos e uma garota de pais diferentes. Mesmo diante de tantos obstáculos e numa sociedade muito mais machista, racista e preconceituosa daquela que vivemos hoje, Carolina enfrentou tudo para dar o que comer aos filhos e tinha na escrita um momento de respiro:

 

 

 

“É por isto que denomino que a favela é o quarto de despejo de uma cidade. Nós, os pobres, somos os trastes velhos.”

“ Quando eu não tinha nada o que comer, em vez de xingar eu escrevia. Tem pessoas que, quando estão nervosas, xingam ou pensam na morte como solução. Eu escrevia o meu diário.”

 

 

 

Autora com o jornalista e Audálio Dantas

 

Graças à resiliência de Carolina Maria de Jesus e ao amparo de Audálio Dantas que a descobriu e conseguiu editar seus diários que Quarto de despejo é um sucesso editorial, com nove edições no país, tendo sido traduzido para treze línguas, circulando entre 40 países. Mesmo assim, Carolina sofreu de um silenciamento:

 

 

 

 

 

 

“Ao livro também pertence o mérito de ter sido a primeira obra de uma autora negra brasileira traduzida. Apesar de tal circulação, Carolina Maria de Jesus protagoniza um dos episódios mais intensos da história do silenciamento brasileiro, que sistematicamente tem ausentado mulheres negras da configuração do texto literário nacional”, afirma Fernanda Miranda em sua análise.

 

 

 

Os diários da autora mineira, natural de Sacramento, não só retratam o cotidiano dos moradores da favela Canindé, mas também trazem, de acordo com Fernanda Miranda, “os sonhos desta mulher, os momentos de alegria com os filhos, seu processo criativo, a busca por expressão, o amor pela literatura. A atualidade do seu texto a torna uma autora contemporânea, pois Carolina Maria de Jesus conversa muito com o Brasil atual, com nossos desafios de hoje e com a condição aguerrida, inconformada e muito concentrada com que as mulheres negras assumem a realização de seus projetos intelectuais e autorais”.

 

Confesso que até hoje não havia lido Carolina Maria de Jesus, mas passei a ser seu admirador, tanto como escritora como mulher ativista. Encerro a resenha com uma fala contundente da autora:

 

“Eu era revoltada, não acreditava em ninguém. Odiava os políticos e os patrões, porque o meu sonho era escrever e o pobre não pode ter ideal nobre. Eu sabia que ia angariar inimigos, porque ninguém está habituado a este tipo de literatura. Seja o que Deus quiser. Eu escrevi a realidade.”

 

 

 

 

 

Ficha técnica:
Título: Quarto de despejo – diário de uma favelada
Autora: Carolina Maria de Jesus
Editora: Ática, 264 pgs
Preço: R$ 54,50

 

 

 

 

Fotos: divulgação


2 Comentários

Pires

junho 25, 2023 @ 19:01

Resposta

Uma curiosidade: Quem tem os direitos sobre a obra da dona Carolina?
Seus dependentes recebem algo com sua publicação/venda?

Maurício Mellone

junho 26, 2023 @ 10:18

Resposta

Pires,
Infelizmente não sei te responder.
A Editora Ática foi a responsável por
esta edição especial; tente por meio do
site da editora saber sobre os direitos autorais
da escritora Carolina Maria de Jesus.
Obrigado pela visita, volte outras vezes.
Abraços

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