De Maurício Mellone em julho 7, 2017
Numa montagem ousada, que mistura elementos clássicos (dança flamenca e cultura cigana) e contemporâneos (microfones e guitarra elétrica), o diretor Nelson Baskerville faz uma releitura da novela de Prosper Mérimée, escrita em 1845, Carmen. Em cartaz no Teatro Aliança Francesa, a louca e trágica paixão entre a cigana Carmen e o bandido/soldado Dom José é recontada pelo dramaturgo Luiz Farina, tendo nos papéis centrais o casal de atores Natalia Gonsales e Flávio Tolezani, além da participação de Vitor Vieira.
Se no original a versão dos fatos é apresentada por José, que, na prisão, depois de ter executado a amada, revela todos seus crimes e se diz arrependido, nesta montagem a voz e o ponto de vista da vítima são ressaltados e ganham a devida dimensão.
“A gente sentiu a necessidade de discutir o lugar da mulher dentro da trama. Na nossa proposta, a Carmen também narra, assim como o José, e temos os dois pontos de vista sobre a relação deles, pois estamos no século XXI, com a mulher tendo muito mais voz”, argumenta Natalia Gonsales.
O espetáculo começa já com a cigana, ao microfone, relatando sobre sua morte provocada pelo ciúme doentio de José. Em seguida retoma a história desde o início, quando conheceu o soldado e conta como ficou atraída por aquele homem másculo que manejava sua faca. A história da apaixonante relação entre eles é entrecortada com os depoimentos (sempre nos microfones), tanto de José como de Carmen. Ela, com seu dom de adivinhação, sempre soube que aquela relação seria trágica, e ele nunca escondeu seu ciúme e possessividade.
A sequência que revela quando o casal assume a paixão é eletrizante: com um jogo de luz e o som envolvente, os atores magnetizam a plateia em cenas sensuais e tórridas. Outro momento que também provoca frisson é quando José descobre que a amada já era casada, há um misto de atração e rivalidade entre os dois amantes da cigana.
Se Carmen de Mérimée ganhou versões de ópera (Georges Bizet), cinema (vários diretores) e até na TV, esta releitura traz a personagem mais para os nossos dias:
“O ponto de vista que nos interessa é o de Carmen, a mulher assassinada, dentro de uma sociedade que pouco mudou de comportamento ao longo dos séculos. Nessa encenação, Carmen morre não porque seu comportamento justifique qualquer tipo de punição, mas porque José é um homem, como tantos outros, doente como a sociedade que o criou”, enfatiza Nelson Baskerville.
Além da dramaturgia cativante, a montagem é muito bem cuidada, desde os cenários de Marisa Bentivegna — módulos de ferro na transversal do palco que se alteram de acordo com a narrativa — , a trilha sonora original de Marcelo Pellegrini bem articulada com a iluminação (também de Bentivegna), até os belos figurinos de Leopoldo Pacheco e os adereços de Zé Valdir Albuquerque (cabeças de touro penduradas realçam o clima da trama). Natália e Flávio (até por serem casados) estão muito sintonizados em cena e imprimem cores vivas e dinâmicas para aquela relação apaixonante e ao mesmo tempo violenta e doentia. E a marca de encenação de Baskerville fica evidente: uso de tecnologia associado à atuação, a disposição inusitada dos elementos cênicos (cenário, adereços) e o ágil e criativo jogo cênico dos atores.
Espetáculo de impacto, imperdível. Temporada se estende até final de agosto, programe-se.
Roteiro:
Carmen. Criação dramatúrgica: Luiz Farina, baseada na novela Carmen de Prosper Mérimée. Direção: Nelson Baskerville. Assistente de direção: Janaína Suaudeau. Elenco: Natalia Gonsales, Flávio Tolezani e Vitor Vieira. Direção de movimento e coreografia: Fernanda Bueno. Música original: Marcelo Pellegrini. Cenário e iluminação: Marisa Bentivegna. Figurino: Leopoldo Pacheco. Fotografia: Ronaldo Gutierrez. Direção de produção: Cesar Baccan. Realização: Bem Casado Prod. Artísticas. Idealização: Natalia Gonsales e Flávio Tolezani.
Serviço:
Teatro Aliança Francesa (226 lugares), Rua Gen. Jardim, 182, tel. 11 3572.2379. Horários: sexta e sábado às 20h30 e domingo às 19h. Ingresso: R$ 50. Bilheteria: duas horas antes do espetáculo. Duração: 60 min. Classificação: 12 anos. Temporada: até 20 de agosto.
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