De Maurício Mellone em setembro 21, 2016
Para dar início às comemorações dos 12 anos do Teatro Garagem — uma idealização da atriz Anette Naiman —, está de volta o clássico de Plínio Marcos, Navalha na carne, encenado há dois anos pelo diretor Marcos Loureiro neste mesmo teatro da Vila Romana, que já foi residência da atriz; hoje com oito espaços que podem abrigar os mais diferentes projetos, o teatro se tornou Instituto Cultural.
A montagem atual de Loureiro foi idealizada para uma plateia de 25 pessoas, que de tão próximos dos atores tornam-se cúmplices da trama. O trio criado por Plínio Marcos que retrata a marginalidade da sociedade é formado pela prostituta Neusa Sueli, interpretada por Anette, o cafetão Vado, vivido por Gustavo Canovas e o homossexual Veludo defendido por Maurício Bittencourt.
Uma das indagações mais contundentes de Neusa Sueli — Será que somos gente? — evidencia (infelizmente) a atualidade do texto de Plínio. Exploração sexual, violência doméstica, machismo, homofobia são temas retratados na peça, encenada pela primeira vez em 1967, e que até hoje fazem parte do nosso cotidiano. Prova disto é o noticiário desta semana que registra o assassinato, a facadas, de uma mulher pelo marido ciumento; detalhe macabro, dois filhos menores do casal estavam no quarto ao lado!
Na trama, a prostituta chega da rua depois de uma noite de muito trabalho e encontra o gigolô revoltado por estar sem dinheiro. Depois de ser espancada, Neusa Sueli diz que pela manhã deixou o dinheiro para ele; o casal deduz que Veludo, ao fazer a faxina do quarto da pensão, deve ter roubado e partem para descobrir a verdade. Novamente maus tratos, intolerância e Veludo também leva uma surra. Neste instante de extrema violência e intransigência é que a prostituta faz seu desabafo existencial, o que incita o espectador a refletir sobre sua realidade também.
Mesmo com o emprego alguns termos bem datados (tutu para se referir a dinheiro, por exemplo), a peça de Plínio Marcos parece ter sido escrita nos dias atuais, principalmente por retratar fielmente o submundo da sociedade. Daí a montagem de Loureiro ser relevante, apesar de alguns tropeços: com tanto espaço na sala, há lugares em que o espectador tem dificuldade para assistir todo o desenrolar da cena. O espancamento a Veludo acontece longe do público, mas ao voltar o ator não traz qualquer vestígio da surra que levou. Por último, na bela cena em que a prostituta fica só e lamenta sua sorte (Anette impõe verdade ao depoimento), o som está muito baixo, quase inaudível, o que compromete, já que a canção de Cartola, O Mundo é um moinho, na voz de Cazuza, cai como uma luva ao enredo.
Além deste clássico de Plínio Marcos, o diretor e a atriz prometem voltar ao autor no próximo mês, com a montagem de O bote da loba, peça inédita do dramaturgo escrita dois anos antes dele morrer.
Fotos: Gal Oppido
2 Comentários
Antoune Nakkhle
setembro 23, 2016 @ 17:29
Gosto muito do espetáculo e vejo como urgência que a direção ouça as observações do Maurício Mellone a fim de aprimoramento para o bem do público e do elenco.
Antoune
Maurício Mellone
setembro 23, 2016 @ 17:33
Antoune,
Uau! Obrigado!
A atriz e o diretor me retornaram dizendo que
houve modificações após a publicação da resenha!
Muito obrigado pela visita e o incentivo constante!
bjs