De Maurício Mellone em setembro 16, 2016
Impossível assistir ao filme Aquarius, do diretor Kleber Mendonça Filho — e no meu caso também de escrever — sem se lembrar da polêmica causada na exibição do filme no Festival de Cannes deste ano, em que a equipe fez uma manifestação política contrária ao governo brasileiro.
No entanto, o filme passa ao longe de posições políticas das pessoas envolvidas nele. A obra fala por si e retrata o vigor de Clara, numa interpretação sublime de Sonia Braga, uma jornalista aposentada de 65 anos, que superou o trauma de um câncer na meia idade e hoje desfruta a vida em seu belo apartamento diante da praia de Boa Viagem, em Recife/PE, até o dia em que é assediada por uma incorporadora que planeja construir um novo e moderno edifício no local. Clara não quer nem ouvir a proposta da construtora e passa a ser a única moradora do prédio, pois os demais proprietários cederam à pressão e deixaram o imóvel. A trama tem seu mote em apresentar de um lado a resistência de Clara em abandonar seu apartamento e, de outro, todos os recursos da construtora para obter seu intento.
O filme, com roteiro do próprio diretor, começa nos anos 1980, exatamente no dia em que uma tia de Clara completa 70 anos e a jornalista já está recuperada do câncer. Salto na história e Clara agora já tem praticamente a mesma idade da tia e pode desfrutar de sua aposentadoria e se dedicar a escrever seus livros sobre música, sua grande paixão. Com enquadramento muito autoral e um ritmo também característico (tudo se desenrola sem atropelos), o diretor debruça-se sobre a personagem central da trama, dissecando seu dia a dia e seu mundo interior. Os banhos de mar de Clara, suas reuniões com o irmão, a cunhada e o sobrinho, sua íntima relação com a empregada, sua relação com os filhos e netos, seus encontros com as amigas e suas aventuras amorosas. Quando o espectador já tem noção da personalidade de Clara que o assédio da incorporadora vai se mostrando cada vez mais intenso e agressivo: como os demais apartamentos do edifício estão vazios, os empresários, representados pelo arquiteto Diego (Humberto Carrão), promovem festas de orgia ou alugam unidades para encontros religiosos, tudo com o objetivo de convencer a única proprietária a abandonar o prédio. Mas tudo se revela em vão, pois Clara é resistente e vai lutar sem tréguas para continuar a viver em seu apartamento, símbolo de sua vida e de suas recordações mais preciosas.
O enredo, centrado na experiência de uma única mulher, no fundo faz críticas contundentes ao sistema imobiliário como um todo, que invariavelmente lança mão de artimanhas e recursos nada convencionais para conquistar seus objetivos. Estas grandes incorporadoras, na grande maioria das vezes, são movidas pela ganância e pelo lucro sem medida, não levando em conta sem seus projetos as histórias pessoais e muito menos o bem estar da coletividade.
Além do desempenho marcante de Sonia Braga, destaque para a participação de Irandhir Santos (o salva-vidas Roberval), Maeve Jinkings (a filha de Clara) e Carla Ribas, como a amiga e advogada da protagonista.
Fotos: divulgação
2 Comentários
Nanete Neves
setembro 17, 2016 @ 11:05
Adorei sua resenha sobre esse filme que é imperdível. Desde a reconstituição perfeita dos anos 80 a um tema tão atual, excelente elenco, direção, roteiro, tudo. Incluindo a música de Taiguara na abertura e fechamento que nos acompanha por muito tempo depois de sairmos do cinema.
Maurício Mellone
setembro 19, 2016 @ 14:33
Nanete,
Concordo com vc sobre a música interpretada por Taiguara, além de todos os
outros aspectos ressaltados por vc!
Sonia Braga dá vida e vigor ao filme do Kleber Mendonça, realmente imperdível!
Obrigado por sua constante visita e comentários tão ricos!
Bjs