De Maurício Mellone em setembro 9, 2015
A devoção de um camareiro, vivido por Kiko Mascarenhas, ao veterano ator, interpretado por Tarcísio Meira, é o mote central do texto do dramaturgo britânico Ronald Harwood O Camareiro, que acaba de estrear no Teatro Porto Seguro. Com direção de Ulysses Cruz, o espetáculo marca o retorno de Tarcísio aos palcos depois de 20 anos afastado e comemora seus 80 anos de vida e 60 de carreira.
A trama se passa em plena segunda guerra mundial e o veterano ator tenta de todas as maneiras manter de pé a companhia e o teatro — literalmente, pois os ataques aéreos são constantes à cidade. Com tirania ele dirige o grupo, mas sente-se fraco e debilitado e Norman, seu devotado camareiro, se desdobra, cuidando não só do figurino e maquiagem, mas de sua saúde e até reavivando a memória do velho ator, que é tratado por todos como ‘Sir’. Além de mostrar os bastidores da montagem de Rei Lear de Shakespeare, a peça — que serviu de base para o filme Fiel Camareiro do diretor Peter Yates — retrata a íntima relação entre os profissionais da companhia e a reação de todos diante da debilidade física e mental do veterano ator.
O espetáculo proporciona ao público uma experiência de metalinguagem, o teatro dentro de um teatro: ao entrar na sala o espectador fica diante de um palco em que o cenário é a coxia de um tradicional teatro inglês, momentos antes da apresentação da peça. E quem dá início à trama é Norman que está preocupado com Sir, que teve lapso de memória na rua e todos da companhia duvidam que ele tenha condições de encenar Rei Lear naquela noite. No entanto, o velho ator resiste ao impulso de abandonar a carreira, exige empenho de todos no trabalho e se esforça ao máximo para interpretar seu papel, apesar de estar indeciso e ao mesmo tempo consciente que seu fim é iminente. É neste momento que Norman mostra ainda mais devoção, avivando a memória do patrão com as falas do personagem e se desdobrando no desempenho de outras funções, como o da contrarregragem. Os demais membros da companhia, principalmente a primeira atriz (Chris Couto), o ator que vive o bobo da corte (Silvio Matos) e a administradora (Karin Rodrigues) demonstram cansaço, desânimo, além de desconfiarem do desempenho e das condições físicas do chefe.
O dramaturgo, por meio de O Camareiro, levanta questões que são intrínsecas a todos nós, não só ao profissional do teatro, como indecisões, dúvidas (no caso do velho ator, como construir o personagem), desilusões (amorosas, profissionais) e as diferentes reações diante da morte e da finitude.
Um grande destaque da montagem é a concepção cênica impressa pelo diretor Ulysses Cruz, que traz sua bagagem de TV e cria, com o cenário de Andre Cortez e a iluminação de Domingos Quintiliano, a dimensão exata proposta na trama: o espectador fica diante de duas montagens teatrais, a do Rei Lear e a do drama do esfacelamento daquela companhia. A trilha sonora original de Rafael Langoni é outro componente primordial para a encenação. Entretanto a atuação de Kiko Mascarenhas, que conduz o espetáculo mesclando tons dramáticos e cômicos, e a contundente presença de Tarcísio Meira em cena são os grandes destaques da montagem. O que também me deixou emocionado ao final foi a reação calorosa e entusiasta da plateia ao ovacionar Tarcísio, num sinal de reconhecimento à brilhante carreira dedicada à arte de interpretar. Um dos grandes espetáculos do ano, que felizmente permanece em cartaz até dezembro. Imperdível!
Fotos: Gal Oppido
2 Comentários
Maurício Mellone
maio 26, 2016 @ 10:30
obrigado pela visita
abr