De Maurício Mellone em abril 7, 2016
No programa da peça Os Realistas, que acaba de estrear no Teatro Porto Seguro depois de temporada carioca de sucesso, o dramaturgo norte-americano Will Eno diz que espera que sua peça ajude as pessoas a lembrarem de como é difícil ser um ser humano.
Questões íntimas, profundas e provocadoras que afetam a alma de todos nós, como morte, vida, perda, amor, abandono, são discutidas por dois casais vizinhos que têm o mesmo sobrenome e moram numa cidadezinha do interior. Diante da doença, cada um deles lida de uma maneira e, no fundo, a existência humana é o tema central discutido pelo dramaturgo. Guilherme Weber — que já teve seis experiências com peças de Eno e assina a direção, adaptação e trilha sonora do espetáculo — afirma que é na “bucólica paisagem campestre que os personagens tentam construir um lugar para suas vidas, para que os espectadores possam descobrir muito a si próprios”. Um espetáculo que provoca o público a refletir sobre seu cotidiano.
Com poucos elementos cênicos (uma mesa, quatro cadeiras que são movimentadas pelos próprios atores e um grande painel ao fundo do palco) e pouca ação, a trama é focada no drama daqueles personagens. A peça inicia com o casal, vivido por Mariana Lima e Fernando Eiras, sentado na varanda após o jantar; eles falam banalidades, mas o atrito e a crise do casamento vêm à tona. Ele está doente, ela se preocupa com a saúde do marido, que insiste em dizer que logo estará curado. Eles são interrompidos pelos vizinhos (interpretados por Debora Bloch e Emílio de Mello), que estão alegres e curtindo o luar. O clima entre eles é de entusiasmo e felicidade, o oposto dos vizinhos. No entanto a doença os aproxima: os dois homens sofrem do mesmo mal. Mas, ao contrário dos primeiros, aqui o marido recusa o tratamento e a mulher vive num mundo à parte, alheio à realidade. Desta forma, cada um lida a sua maneira com a doença, assim como com o amor, a crise no casamento, o abandono, a perda, a vida e a morte.
“O casamento é um tema caro à essa peça, aparecendo como um símbolo que encarcera em si próprio todos os outros assuntos apresentados no palco, como vida, morte, superação e inutilezas”, afirma o diretor Guilherme Weber.
O que mais me chamou a atenção em Os Realistas foi sem dúvida a profundidade do texto e como o dramaturgo põe a nu a existência do homem contemporâneo. A direção é outro destaque: o ágil jogo cênico entre os quatro personagens faz com que o espectador conheça cada uma das visões de mundo apresentadas e se identifique. E isso só é possível pela perfeita sintonia em cena entre Debora, Emílio, Mariana e Fernando.
E os atores Emílio de Mello e Fernando Eiras estão em dobradinha: eles acabam de reestrear no Teatro Jaraguá o também emocionante espetáculo In On It , texto do canadense Daniel MacIvor , em que temas comuns à peça de Will Eno são tratados, como morte, fim do casamento e separação. Prepare o coração e embarque nesta maratona existencial.
Fotos: Leo Aversa
6 Comentários
Antoune Nakkhle
abril 8, 2016 @ 15:16
Maurício,
adorei sua resenha. Sensível e, ao mesmo tempo, atenta aos diferenciais que os espetáculos oferecem. Como sempre.
Eu amei o espetáculo e recomendo a todos.
Valeu!
Maurício Mellone
abril 8, 2016 @ 15:20
Antoune,
fico contente q vc tenha gostado da resenha
(após a peça, comentamos muito do que escrevi
na resenha).
obrigado pela força
bj
Ed Paiva
abril 7, 2016 @ 19:52
Ótima resenha, Maurício! Assisti recentemente Os Realistas e há sempre uma certa ameaça e angústia que paira no ar, apesar dos momentos de silêncios e de aparente tranquilidade que as personagens pretendem vivenciar. Belíssima montagem. In On It assisti há alguns atrás e causou-me profunda impressão pela atuação dos atores.
Maurício Mellone
abril 8, 2016 @ 09:36
Ed,
que delícia receber sua visita, sempre com comentários enriquecedores
e com sua visão competente de uma fã ardoroso da arte de interpretar.
Vá rever In On It, vc irá adorar novamente!
obrigadíssimo pela força e incentivo!
bj
Fábio Mráz
abril 7, 2016 @ 19:18
Muito bom, Mauricio!!!!
Maurício Mellone
abril 8, 2016 @ 09:38
Fábio,
também adorei o espetáculo dirigido pelo Guilherme Weber;
se puder, vá conferir também a peça ‘In On It’: emocionante!
obrigado pela presença constante por aqui!
bjs