De em março 19, 2011
Há dias venho sentindo certo tipo de angústia, aquele que todos que escrevem devem sentir: a vontade de expressar os sentimentos pela palavra. E o que me motivou a estar aqui foi a forma sensível e competente com que Maria Adelaide Amaral nos brindou com sua releitura da novela do amigo Cassiano Gabus Mendes, TiTiTi.
Se na primeira versão de 1985 os embates entre os estilistas Jacques Leclair (Reginaldo Faria) e Victor Valentim (Luís Gustavo) eletrizaram o público, dessa vez não foi diferente. Alexandre Borges e Murilo Benício, respectivamente, deram vida a dois personagens cada um: André Spina profissionalmente é o estilista Jacques Leclair, que com seu lencinho no pescoço já virou ícone! No contraponto, Ariclenes Martins dá a volta por cima quando cria o espanhol Victor Valentim, que também usa como marca registrada os trajes de toureiro e o infalível bigodinho postiço.
Remake de novela não é tarefa fácil como alguns podem pensar. Maria Adelaide usou como estrutura base o argumento de Cassiano; no entanto, trouxe personagens de outras novelas do autor como uma forma de reforçar a homenagem, introduziu novas tramas e, sem dúvida, passou sua marca para a nova novela. A forma aberta, sensível e humana que tratou a relação amorosa entre dois homens, por exemplo. Em entrevista ao portal UOL, ela confessa:
“Naquele episódio do aniversário de Jaqueline (Cláudia Raia) tinham héteros, gays, freiras e drag-queens. Foi a celebração da tolerância, do afeto e das diferenças”.
Essa postura ficou evidenciada na cena final, quando Jaqueline, antes de iniciar a apresentação da sua banda, diz que ser feliz é não ter preconceito e introduz o tema de abertura da novela, a canção TiTiTi, quando a própria autora da música Rita Lee entra no palco e termina a apresentação, com o elenco, um a um, desfilando pela passarela. Coroação de uma novela sensível, alegre e ao mesmo tempo reflexiva.
Além de já ter escrito muito sobre telenovelas quando trabalhei em revistas populares, TiTiTi me fisgou desde o primeiro capítulo. A forma afetuosa como Maria Adelaide mostra a relação entre Osmar e Julinho (Gustavo Leão e André Arteche), depois o drama da solidão de Julinho pela morte do amado, toda a sua recuperação, aceitação e abertura para novo amor, com Thales (Armando Babaioff), me emocionaram durante toda a trama, muito pela minha identificação com as agruras da viuvez vividas pelo cabeleireiro. Mais do que colocar o olhar sensível para amor dos rapazes, Maria Adelaide tratou no mesmo nível as dificuldades de relação entre Marcela (Ísis Valverde), Edgar (Caio Castro) e Renato (Guilherme Winter) como as de Julinho, Thales e Jaqueline. Ela apresenta conflitos, encontros e desencontros nas relações amorosas, independente se é homo ou heterossexual.
Se em telenovela esse tratamento é inovador, no teatro Maria Adelaide já inova há muito. Na peça Para Sempre de 1997, com Paulo Autran, Celso Frateschi e Karin Rodrigues, a autora disseca o casamento entre Max e Tony. Na ocasião, em entrevista exclusiva que ela me concedeu, dizia: “O universo gay é muito próximo de mim, em minha primeira peça, A Resistência, o gay Luiz Raul é um dos melhores personagens da minha galeria. Tenho vários casais homossexuais amigos e confesso: dos casamentos de minha relação, os mais bem-sucedidos foram os gays. Funcionaram muito melhor do que os heterossexuais”!
Num momento em que a discussão dos direitos da comunidade LGBT volta a ser reativada no Congresso Nacional e o STF (Supremo Tribunal Federal) pretende votar ainda nesse semestre a união civil homossexual, uma telenovela, com sua imensa audiência nacional, que apresenta uma relação amorosa entre gays no mesmo plano que o amor entre a mocinha e o galã, sem dúvida avança na discussão do comportamento na sociedade brasileira do século XXI. Parabéns Maria Adelaide por sua ousadia, sensibilidade e competência criativa.
Fotos: divulgação
8 Comentários
Adriana
março 23, 2011 @ 20:50
Ma, concordo com vc. Tititi foi realmente uma novela alegre, reflexiva e mostrou que preconceito está fora de moda. Na verdade, é um desrespeito. Sempre foi e sempre será. A gente sabe disso.
Parabéns, mais uma vez, pelo texto sensível e pela homenagem à competentíssima Maria Adelaide Amaral. Vc realmente é, como já o chamaram na redação onde tive o privilégio de conhecê-lo, un doutor em novelas. Parabéns mais uma vez!!
Adriana
Maurício Mellone
março 24, 2011 @ 14:22
Adriana:
Obrigadíssimo!
Vindo de vc, outra expert em telenovelas, o elogio é ainda
mais gratificante!
Bjs e obrigado pela audiência e pela força!
Maurício Mellone
março 21, 2011 @ 15:23
Maurício,
perfeita a sua análise. Assino embaixo, principalmente quando você se refere ao mesmo tratamento que a autora dá aos casais héteros e gays, como se já estivéssemos vivendo numa sociedade mais tolerante e vivenciando normalmente essa igualdade de valores.
Parabéns!
Zedu
Maurício Mellone
março 21, 2011 @ 15:25
Zedu:
Obrigado pela força!
Maria Adelaide trata a questão homoafetiva de maneira brilhante!
bjs
Rico
março 21, 2011 @ 08:50
Gostei muito da novela também, isso que você comentou fica evidente, as relações hetero e homo foram tratadas da mesma forma, o preconceito foi apontado sempre como coisa fora de moda! Vários elementos eram trazidos a tela com humor mas sempre com algo para se refletir. Num país onde a televisão sempre ganhou da leitura isso é muito importante!
🙂
Maurício Mellone
março 21, 2011 @ 14:56
Rico:
No Brasil não podemos desprezar o peso e a importância, na formação da população, da TV. E o gênero telenovela é sem dúvida o grande chamariz: os autores sabem disso e muitos deles usam de suas novelas para esclarecer e conscientizar. Maria Adelaide fez isso com TiTiTi, abominando o preconceito e valorizando a tolerância!
bjs e obrigado pela audiência e pelos incentivos, sempre!
aline
março 20, 2011 @ 18:14
Você sabe que faço minhas , as suas palavras!! Seu texto é um escãndalo!!! bjus
Maurício Mellone
março 21, 2011 @ 14:57
Aline, querida:
Elogio vindo de vc, uma admiradora tanto de novela como da Maria Adelaide, me deixa ainda mais contente!
Obrigadíssimo!
bjs