De Maurício Mellone em fevereiro 26, 2016
Tendo como base os contos de Caio Fernando Abreu — Lixo e Purpurina e Anotações sobre um amor urbano —, Kiko Rieser, com Amarelo Distante, em cartaz no Teatro Augusta, construiu um espetáculo minimalista sobre a trajetória de um jovem que na década de 1970 resolveu deixar o Brasil e se autoexilar em Londres.
Num espaço limitado, sem qualquer elemento cênico e com pouca luz, o ator Mateus Monteiro interpreta a este personagem solitário, cheio de angústias e inquietações e que procura sobreviver num país desconhecido, muito frio e longe de todos aqueles que ama. O fio condutor da trama é o diário escrito por Caio F., que traz passagens reais e outras de pura ficção, quando viveu por mais de dois anos na capital britânica. A estreia do espetáculo foi escolhida com o intuito de prestar mais uma homenagem ao escritor gaúcho, que faleceu há exatamente 20 anos, dia 25 de fevereiro de 1996.
“Eu quis morrer, quis ir embora, quis perder para sempre a memória, estas memórias de sangue e rosas, drogas e arame farpado, príncipes e panos indianos, roubos e fadas, lixo e purpurina.”
O ator entra na penumbra e inicia seu relato ainda no escuro; aos poucos vai iluminando o espaço com pequenos focos de luz de uma lanterna. Mas a iluminação, assinada por Karine Spuri, permanece diminuta durante toda a encenação, numa referência ao ambiente sombrio e nebuloso onde vive o personagem.
“Esse lixo espalhado pela casa são os nossos sonhos usados, gastos, perdidos.”
O enredo é uma mescla dos dois contos do escritor, mas segue a linha narrativa do diário. Segundo Rieser (que assina a direção também), “a dramaturgia narra os percalços e demais acontecimentos do autoexílio em Londres, intercalando-os com evocações de diferentes amores do personagem — do presente, do passado e quiçá do futuro”.
Evocar o universo de Caio Fernando mesmo depois de duas décadas de sua morte, sem dúvida, é o grande trunfo do espetáculo. O escritor que fala direto ao leitor, de forma coloquial, está vivo até hoje. E esta proximidade com a juventude atual se dá, além das questões existenciais, as angústias e as dores de amor propostas por Caio, graças à atuação de Mateus Monteiro, que imprime verdade e vigor para aquele jovem inquieto, intenso e autoquestionador da trama.
Um espetáculo denso, reflexivo que faz jus a que se propôs: homenagear Caio F. A espécie de oração dita ao final da peça (extraída do conto Lixo e Purpurina) emociona qualquer um e reforça a simbiose com público.
“Que eu não perca a capacidade de amar, de ver, de sentir. Que eu continue alerta.
Que eu não me perca, que eu não me fira, que não me firam, que eu não fira ninguém. Livra-me dos poços e dos becos de mim, Senhor”.
Fotos: Heloísa Bortz
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