De Maurício Mellone em março 30, 2021
Mais de 50 anos depois de ter sido escrita, a peça de Plínio Marcos, Quando as máquinas param, infelizmente permanece atual. Talvez por causa disto que a Companhia Colateral e o diretor Kiko Rieser resolveram montá-la neste período tão caótico em que vivemos hoje. A trama original se passa pouco antes da decretação do AI nº 5, um dos instrumentos mais autoritários impostos pela ditadura militar que governava o país na época. Além das liberdades cerceadas, a carestia e o desemprego eram altos. Na trama o casal Zé e Nina, vividos por André Kirmayr e Larissa Ferrara, se vê em apuros quando ele perde o emprego e as costuras que ela faz mal conseguem colocar o que comer na mesa.
Num misto de teatro e cinema, o espetáculo em preto e branco (P&B) é exibido gratuitamente às segundas e terças até final de abril pelo canal You Tube do Centro Cultural São Paulo.
Nestes tempos de pandemia, cada vez mais os artistas buscam alternativas para manter o teatro vivo e acessível ao público. Difícil definir ou classificar o produto; assistimos a peças ao vivo com transmissão online, peças filmadas e até produções mistas, que unem cenas ao vivo com vídeos. Para o texto de Plínio Marcos, o diretor, também responsável pela filmagem, criou um produto que une teatro e cinema: a ação se passa num apartamento em que os atores se movimentam e são acompanhados pela câmera. São grandes planos-sequência em que a ação se desenvolve sem cortes, a câmera é o terceiro personagem. Com dificuldade para definir o espetáculo, Kiko Rieser chega a chamar de peça online ou peça audiovisual.
Independente de como foi produzido, o espetáculo retrata o cotidiano de um casal de classe média baixa, que até então sobrevivia sem luxo, mas mantendo as contas em dia. Mas tudo muda quando Zé é demitido da fábrica e os trabalhos de costureira de Nina não conseguem sustentar as despesas da casa. Se até então havia harmonia entre eles, com a carestia as diferenças e visões de mundo entre Zé e Nina ficam à flor da pele, provocando conflitos intransponíveis.
“Provavelmente hoje esta é a peça de Plínio Marcos que mais fala à nossa realidade. Expondo uma situação de colapso econômico e social, em que demissões em massa dissolviam famílias e levavam pessoas a mais profunda miséria, o texto ganha renovada pungência hoje, quando batemos recordes de desemprego, tendência que só tende a se agravar com as consequências da pandemia”, argumenta Kiko Rieser.
Além de o texto provocar esta identificação com o momento atual, Quando as máquinas param se destaca pelo formato criativo de sua produção: a câmera tem um papel vital no desenvolvimento da trama, impondo ritmo e marcando mudanças de tempo. A cenografia e o figurino merecem ser ressaltados: o apartamento foi totalmente adereçado, com os objetos de cena trazendo o espectador para a década de 1960. Destaque ainda para a sonoplastia, com a reprodução de radionovela, comerciais e noticiários. A sintonia entre os atores enriquece a montagem: André e Larissa mostram a evolução (ou involução) da vida de Zé e Nina, da perfeita união à total desarmonia. Não perca, sessões só às segundas e terças.
Roteiro:
Quando as máquinas param. Texto: Plínio Marcos. Direção e trilha sonora: Kiko Rieser. Elenco: André Kirmayr e Larissa Ferrara. Cenário e figurinos: Kleber Montanheiro e Thaís Boneville. Iluminação: Kleber Montanheiro. Edição e mixagem da trilha: Rodrigo Florentino. Vozes atores radionovela: Amanda Acosta e Joca Andreazza. Voz locução novela: André Kirmayr. Direção de produção e câmera: Kiko Rieser. Fotografia: Heloísa Bortz. Realização: Companhia Colateral e Rieser Produções Artísticas.
Serviço:
Horários: segunda e terça às 20h. Ingressos: gratuitos. Duração: 85 min. Classificação: 14 anos. Temporada: até 20 de abril de 2021. Link de transmissão: http://youtube.com/CentroCulturalSaoPauloCCSP
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