De Maurício Mellone em junho 1, 2017
Em curtíssima temporada paulistana, depois de apresentação no Festival de Curitiba e do sucesso no Rio, Andrea Beltrão encarna sozinha em cena a tragédia grega de Sófocles, Antígona, em cartaz no SESC Consolação só até o dia 18 de junho.
Com tradução de Millôr Fernandes e direção de Amir Haddad, a atriz — que assina a dramaturgia em parceria com o diretor—, já está no palco com a entrada do público e cumprimenta a todos. Esta é uma das características desta montagem despojada: Andrea quebra a quarta parede durante todo o espetáculo e é didática ao se referir diretamente à plateia para contar a trajetória de vida da última filha de Édipo e Jocasta. Com o palco vazio, tendo ao fundo uma extensa árvore genealógica da cidade grega de Tebas, Andrea em apenas 60 minutos revive toda a trágica vida dos descendentes do rei Laio.
Por que os clássicos são sempre revisitados? Na certa por traduzirem muito da alma humana, dos sofrimentos, angústias e anseios de todos nós. Millôr Fernandes é enfático ao falar de Antígona:
“Quem sabe um dia poderemos achar esta peça pré-histórica, sua figura central sem sentido. Mas não. A personalidade quase viril da última filha de Laio está tão viva quanto estava há 2 mil e 400 anos”.
E, realmente, em plena segunda década do século XXI, a tragédia de Sófocles ainda nos ajuda a refletir sobre o poder, traições políticas, atitudes autoritárias, desmandos e a violência desmedida. Algo parecido com a realidade do Brasil dos dias atuais? Infelizmente não podemos negar a profecia de Millôr!
Com a intenção de relatar o último drama da vida de Antígona — ter sido condenada por desobedecer as ordens de seu tio Creonte, Rei de Tebas, que determinara que o irmão dela, Polinice, não tivesse um enterro conforme as tradições —, a atriz retoma a história de formação de Tebas. Daí a importância da grande árvore genealógica disposta no palco: Andrea faz as conexões entre as gerações e em seguida assume os papéis da trama. Com um único elemento (uma capa, um sapato ou um gesto específico), a atriz incorpora os personagens e o público acompanha toda a trajetória trágica de Édipo, que sem saber matou Laio, seu pai, e em seguida casa-se com a mãe, tendo quatro filhos (dois homens e duas mulheres), que eram seus irmãos. Num ritmo ágil, a atriz vai e volta na história e completa todo o painel da vida de Tebas, deixando até aquele espectador pouco informado da história da Grécia antiga totalmente integrado à tragédia que está sendo narrada.
Sem dúvida uma montagem enxuta, concisa, que fala diretamente ao público de hoje, mesmo se referindo a uma história escrita há mais de 2 mil e 400 anos! E esta empatia com a plateia só de dá pelo talento de Andrea Beltrão, que sabe conduzir perfeitamente a trama, indo aos personagens e voltando deles com uma naturalidade impressionante, além da dosagem correta entre o drama, a fina comédia e o trágico pleno. Um dos grandes espetáculos do ano, pena que cumprindo uma temporada minúscula em São Paulo. Que a produção consiga novos espaços para se apresentar, os paulistanos merecem um período maior de temporada. Fica aqui minha torcida.
Roteiro:
Antígona. Texto: Sófocles. Tradução: Millôr Fernandes. Dramaturgia: Amir Haddad e Andrea Beltrão. Direção: Amir Haddad. Elenco: Andrea Beltrão. Iluminação: Aurélio de Simoni. Figurino: Antônio Medeiros. Direção de movimento: Marina Salomon. Cenário e projeto gráfico: Fabio Arruda e Rodrigo Bleque. Fotografia: Guga Melgar e Matheus José Maria. Produção: Boa Vida Produções.
Serviço:
SESC Consolação, Teatro Anchieta (280 lugares), Rua Dr. Vila Nova, 245, tel. 11-3234 3000. Horários: sexta e sábado às 21h e domingos às 18h. Ingressos: de R$ 50 a R$ 15. Duração: 60 min. Classificação: 14 anos. Temporada: até 18 de junho
Deixe comentário