De Maurício Mellone em outubro 30, 2024
Entrei na sala de espetáculo do Tucarena com a emoção à flor da pele: no saguão pude assistir a um vídeo em homenagem à atriz e dramaturga paulista Jandira Martini, que faleceu em janeiro último. No palco, sua última peça, Jandira- em busca do bonde perdido, é encenada por Isabel Teixeira, sob direção de Marcos Caruso, que escreveu em parceria com Jandira inúmeras peças e roteiros audiovisuais.
E a emoção só aumenta com o início do monólogo, que de forma bem-humorada é um passeio pela carreira e vida da veterana atriz, desde suas lembranças de Santos, sua terra natal, até sua vida dedicada às artes cênicas e a derradeira luta contra o câncer, numa reflexão profunda sobre finitude. A própria Jandira Martini definiu seu texto:
“Um monólogo sobre uma situação imprevista, surpreendente. Uma atriz que se revela, diante de seu público, ao narrar com humor sua assustadora experiência. Autoficção? Sem dúvida. Um stand-up? Seria, se fosse cômico. E cômico não chega a ser. Nem trágico. Apenas dramático. ”
Num palco vazio, delimitado pela sensível iluminação de Beto Bruel e Sarah Salgado, a atriz entra somente com uma cadeira de praia e uma bolsa. E as primeiras lembranças remetem ao tradicional bloco de Carnaval de Santos, em que homens caracterizados de mulheres, com fantasias de papel crepom, entram no mar depois da folia; é o famoso banho da Doroteia.
O texto, direto e sem firulas, insere o público no drama vivido pela personagem, que relata, com detalhes e pitadas de humor, todo o processo de tratamento, da constatação do diagnóstico e as cirurgias, às sessões de quimioterapia, em que ela recorre a sua escrita e aos pensamentos de escritores e dramaturgos presentes em sua carreira — Molière, Machado de Assis, Oscar Wilde e Shakespeare, que carinhosamente ela chama de tio William.
“O texto é uma corajosa exposição. Uma improvável abertura de sentimentos de uma das pessoas mais fechadas que conheci. Uma peça que fala de uma dor de todos nós, com um grau elevado de bom humor e poesia. Concebi um espetáculo em que o absolutamente imprescindível e o essencialmente necessário estão em cena. Essa foi a maneira que encontrei de honrar Jandira e, assim, continuar escrevendo com ela e completar nossos 40 anos de parceria”, exalta Marcos Caruso.
Premiada atriz de teatro (hoje também com grande sucesso na TV), Isabel aos poucos cativa a plateia; sua performance brilhante vai num crescendo, de um início tênue ao final comovente e arrebatador. No desfecho há novamente a referência ao banho de mar: o espectador pode ter várias inferências, como banho para se energizar, banho de descarrego, um banho para se refrescar, uma reverência a Iemanjá ou então um mergulho no novo mundo…
“Como lidar com uma condição que te atravessa e, a princípio, é impossível aceitar? A escrita, aqui, é um fluxo que conduz ao entendimento pessoal e transborda na cena para quem quiser ouvir. Jandira é uma atriz/autora que escreve com humor, força e coragem para entender o que está passando, mas o faz com leveza e simplicidade de quem consegue encaixar as palavras no coração”, atesta Isabel Teixeira.
Jandira- em busca do bonde perdido estreou em Santos, passou por São José dos Campos/SP, Belo Horizonte/MG, Rio de Janeiro e permanece em cartaz até início de dezembro. Não perca, garantia de entretenimento e emoção.
Roteiro:
Jandira- em busca do bonde perdido. Texto: Jandira Martini. Direção: Marcos Caruso. Com: Isabel Teixeira. Direção de movimento: Renata Melo. Trilha sonora: Aline Meyer. Arranjos e produção musical: Marcelo Pellegrini. Figurinos: Fábio Namatame. Iluminação: Beto Bruel e Sarah Salgado. Fotografia: Flora Negri e Roberto Setton. Direção de produção: Roberto Monteiro e Fernando Cardoso. Realização: Mesa2 Produções.
Serviço:
Teatro Tucarena (288 lugares), Rua Bartira, 347, tel 11 3177-5555. Horários: sexta às 21h, sábado às 19h e domingo às 17h. Ingressos: R$ 100 e R$ 50. Vendas: Sympla. Duração: 60 min. Classificação: 12 anos. Temporada: até 08 de dezembro.
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