Melancolia, uma angústia perpétua

De em agosto 31, 2011

Zedu Lima- escritor, jornalista e colaborador-amigo do blog

Novamente Favo do Mellone é agraciado com mais uma resenha do escritor e jornalista Zedu Lima, que ao lado de Jerson Dotti, escreveu Na medida certa da boa educação, lançado no ano passado e com resenha aqui também. Dessa vez, Zedu joga seu olhar analítico para Melancolia, mas vai além: associa o filme de Lars Von Trier com Trinta anos esta noite, de Louis Malle, colocando lado a lado cenas, circunstâncias e falas de personagens de ambos os filmes, separados no tempo por 48 anos. Boa leitura e meus mais sinceros agradecimentos ao amigo Zedu.

Kirsten Dunst no filme Melancolia de Lars von Trier

Quando o Maurício sugeriu que eu fizesse uma resenha sobre o filme Melancolia, do diretor Lars von Trier, recusei, justificando que foram feitas tantas antes e depois de sua estreia, e tantos ensaios psicanalíticos dissecando, analisando e diagnosticando o filme e seus personagens, que a minha resenha nada acrescentaria. No entanto, dias atrás, me veio à mente uma frase que norteou meus 20 anos e que me remeteu imediatamente ao filme Melancolia: “Eu não sofro de angústias, doutor. Tenho uma angústia perpétua”. Essa constatação melancólica é confessada pelo personagem Alain Leroy, do filme Trinta anos esta noite, de 1963, dirigido por Louis Malle, (agora lançado em DVD), o que atesta a atemporalidade dos filmes desse cineasta francês.

Capa do DVD do clássico de Louis Malle, Trinta anos esta noite

Trinta anos esta noite é adaptado do romance Feu Follet (Fogo Fátuo), do romancista e ensaísta Pierre Drieu la Rochelle. O filme começa com Alain numa clínica de recuperação para alcoólatras. Seu alcoolismo foi desencadeado por uma incontrolável depressão. É nessa clínica que ele profere a frase acima, quando o doutor, querendo convencê-lo de que ele já está curado, lhe pergunta se continua sentindo angústias. Ao sair do quarto, o médico lhe diz: — A vida é boa, e ouve como reposta: — Boa para quê?, que bem poderia ter saído da boca de Justine, a angustiada personagem de Melancolia.
Além dessa, muitas outras associações podem ser feitas entre os dois filmes.
Ao decidir sair temporariamente da clínica para revisitar seus amigos e seus hábitos da juventude, Alain constata que as pessoas continuam falseando a própria vida, se escondendo atrás das convenções sociais e do comodismo.  Na cena do casamento de Justine, Lars von Trier coloca uma galeria de espécimes que habitam nossa sociedade (o cunhado rico e pão duro, a irmã escrava das convenções, o patético pai que não aceita o envelhecimento, o publicitário que não tem escrúpulos para atingir o sucesso e seu estagiário que não se preocupa em perder a dignidade para obter o cargo). O mesmo acontece nas cenas finais de Trinta anos esta noite, num jantar na casa de amigos a que Alain comparece, onde todos forjam um comportamento socialmente aceitável. No casamento de Justine, sua mãe é a única personagem lúcida naquela fauna, assim como Eva, uma das amigas de Alain, que a atriz Jeanne Moreau faz no filme de Louis Malle em pequena participação. (Continuando com as associações, me desculpe fazer mais uma. Quando Justine se banha nua sob a claridade do planeta Melancolia, não pude deixar de lembrar dos versos de Vinícius de Morais para Modinha, que ele compôs com Tom Jobim: Ah, não seja a vida sempre assim / como um luar desesperado / a derramar melancolia em mim / poesia em mim…)
Antes de voltar para a clínica, Alain diz ao um recente amigo, que, tudo indica, será seu substituto: Eu gostaria de ter cativado as pessoas, retê-las, mantê-las próximas para que nada mais se movesse ao meu redor. Mas tudo sempre deu errado. Se para Justine, o encontro do planeta Melancolia com a terra, destruindo-a, foi a solução, para Alain foi o tiro que ele dispara contra o peito.

Zedu Lima


12 Comentários

Well Castro

setembro 9, 2011 @ 18:18

Resposta

Primeiramente, parabéns pelo excelente texto, é o primeiro seu que leio. Confesso, que me deixou bem curioso pra ver “Trinta Anos Esta Noite”, de Louis Malle, já na minha lista de próximos a ver…

Sou admirador da obra do Lars Von Trier, o acho genial e “Melancolia” em especial se converteu em um dos meus preferidos, se não o preferido. O Mau, até fez um comentário no meu Facebook sobre um texto que havia feito sobre o filme, no qual ele diz que a obra de arte tem a característica de ser aberta e possibilitar diversas visões e concordo plenamente com essa afirmação. Se eu disser que “Melancolia” não é um filme depressivo, estou mentindo, é um filme denso, tenso… Mas em compesação, nos faz refletir, sobre algumas questões cruciais… A vida, a morte, o estar, o ser, mas do que isso, como disse no meu outro texto, nos faz refletir sobre o amor. Sim, o amor incondicional que Claire sente por Justine e pelo desespero dela ao perceber que seu filho não terá um mundo pra viver e sua impotência quanto ao fato de não poder fazer nada quanto a isso, aliás, a intérprete de Claire, Charlotte Gainsbourg, passa uma verdade sem igual, fiquei bem curioso pra ver mais filmes com essa excelente atriz.
Já li alguns textos sobre “Melancolia” e você foi a única pessoa que citou a lucidez da Mãe de Claire e Justine, que por sinal, a torna uma pessoa amarga com a vida, incapar de se compadecer da dor do outro, mesmo quando esse outro é sua própria filha, na minha opinião, essa é a personagem mais depressiva do longa, acredito que justamente por essa dita “lucidez”, mais do que isso, essa é a personagem que já morreu antes mesmo do planeta Melancolia atingir a terra…

Mau, parabéns pelo Blog! Sempre que posso veio por aqui, pra acompanhar suas dicas e seus textos. Obrigado por compartilhar tanta coisa boa conosco! Grande abraço!

PS.: Concordo com a afirmação da Imad, quando diz que a Justine encontra a redenção com o fato do iminente choque e destruição da terra pelo planeta Melancolia, foi justamente essa leitura que fiz.

Maurício Mellone

setembro 9, 2011 @ 19:17

Resposta

Well:
Já tínhamos falado sobre Melancolia. E o Zedu veio dar uma luz para o filme,
o associando ao clássico de Malle.
Suas observações sobre o filme são enriquecedoras e demonstram
seu rigor estético e filosófico.
Parabéns!
bjs

Rico

setembro 4, 2011 @ 22:20

Resposta

Muito boa mesmo, vou ter que ver o de LOUIS MALLE, fiquei bem curioso!
Parabéns! A dinâmica do BLOG está ótima!
Bjo

Maurício Mellone

setembro 6, 2011 @ 14:22

Resposta

Rico:
O Zedu é fera e teve uma ótima sacada ao associar Melancolia com o clássico de Louis Malle.
Obrigado pelos elogios ao blog; qdo quiser repetir a dose em colaborar, vou adorar!
bjs

Rica Lopes

setembro 4, 2011 @ 20:35

Resposta

Eu tive a sorte de coincidentemente ver Melancolia no Cinema e em seguida Trinta Anos Essa Noite em DVD e, também não pude deixar de fazer analogia entre os dois filmes. É incrível como, apesar de estarem tão distantes cronologicamente, me escancararam o mesmo sentimento de angústia, que pode levar a depressão e que essa pode levar a um final. Para Justine foi um final simbólico, para Alain, real. Mas os dois com o mesmo fim.
Hoje lendo uma entrevista de Lars Von Trier na Veja, ele responde a uma das perguntas sobre Melancolia: “Eu fiz o filme para dizer que, sim, a depressão é o fim do mundo.” Tomara que a gente consiga inverter a trajetória desse planeta.

Maurício Mellone

setembro 6, 2011 @ 14:25

Resposta

Rica:
Já tinha comentado com o Zedu sobre meu sentimento depois de assistir ao Melancolia.
Por ser muito depressivo, fiquei tb depressivo e não tive forças para escrever.
Por isso o achado do Zedu em associar com o filme de Malle foi sensacional.
Fiquei com a vontade de rever Trinta anos essa noite por causa do belíssimo texto do
nosso amigo!
Bjs

Imad

setembro 2, 2011 @ 20:17

Resposta

Realmente me deu vontade de assistir a Trinta anos esta noite. Gostei da associação feita. Quanto a “Melancolia”, me interessei especialmente pela segunda parte, que mostra uma inversão: dessa vez, a deprimida é a irmão de Justine, com a iminência do fim, que a Justine soa como redenção!
Abraço, Mau.

Maurício Mellone

setembro 6, 2011 @ 14:29

Resposta

Imad:
Melancolia, por ser depressivo, me deixou paralizado e não tive forças para fazer
uma resenha. O Zedu se incumbiu dessa tarefa e fez com o brilhantismo de sempre:
a associação dos dois filmes, separados por vários anos no tempo!
bjs e volte sempre!

Milton Correia Jr.

setembro 2, 2011 @ 16:10

Resposta

Zedu:

Muito boa a análise do filme, aliás como tudo o que você faz. Adoro suas crônicas e gostaria de ler mais. Deveria até publicá-las. Quanto ao Lars von Trier, é um tipo de diretor ame ou odeie. Eu odeio, não curto, não consigo me identificar com nada do que ele faz. Portanto, passei longe de Melancolia, porque depois de o Anticristo jurei que nunca mais iria gastar o meu suado dinheirinho com ele.

Milton Correia Jr.

Maurício Mellone

setembro 2, 2011 @ 16:14

Resposta

Milton:
Muito obrigado por sua visita. Também concordo com vc sobre nosso amigo
Zedu: ele é fera e realmente precisa publicar as crônicas, seja em que tipo de
veículo for (livro físico, e-book, blog ou site).
Qto ao Melancolia, eu fiquei depressivo com o filme. Mas outro filme do Trier (Dogville) eu
adorei!
O Zedu fez uma associação com o filme de Louis Malle que foi sensacional!
Abrs e volte sempre!

Cristina Souza

setembro 1, 2011 @ 14:40

Resposta

Apesar de não ter assistido Trinta Anos Essa Noite posso perceber essa conecção entre os personagens. Somente um jornalista apaixonado por cinema e com memória translúcida para guardar por 48anos as cenas de Louis Malle pode fazer um paralelo eloquente e consistente assim.
Valeu Zedu.

Maurício Mellone

setembro 1, 2011 @ 16:43

Resposta

Cristina:
Concordo com vc sobre a paixão e a memória prodigiosa do nosso amigo Zedu!
Mas para nós que não assistimos ao clássico de Louis Malle, esse filme já existe em DVD.
Obrigado pela visita e volte sempre!

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