De Maurício Mellone em abril 16, 2024
O cineasta Luiz Fernando Carvalho que em 2001 transpôs para o cinema o intrincado romance de Raduan Nassar, Lavoura Arcaica, volta a enfrentar o mesmo desafio, ou seja, verter para o cinema uma obra literária de grande complexidade. Desta vez ele mergulhou profundamente no romance de Clarice Lispector, A Paixão Segundo G.H. e apresenta um filme reflexivo, denso, e introspectivo, assim como o livro. Para isto contou com a interpretação visceral de Maria Fernanda Cândido, numa atuação que irá marcar profundamente sua carreira.
Para quem conhece o romance de Clarice Lispector vai ficar impressionado como o diretor traduz em imagens, com fidelidade, o fluxo de pensamento daquela personagem. G.H. é uma rica e famosa artista plástica de escultura, que no dia anterior é surpreendida com a demissão de sua empregada Janair, papel de Samira Nancassa. Resolve então arrumar o apartamento e inicia pelo quarto de empregada. Ao entrar, ela se surpreende com a limpeza e arrumação e com o desenho de uma família rabiscado com carvão na parede. Ela se assusta mais ainda com a barata que está no armário. A partir deste instante, G.H. passa por uma reavaliação total de sua existência.
O filme começa com imagens distorcidas durante uns minutos até o foco se firmar na personagem central, que inicia seu monólogo. Este início funciona como um prólogo do filme.
“Ontem de manhã quando saí da sala para o quarto de empregada, nada me fazia supor que eu estava a um passo da descoberta de um império, a um passo de mim”.
Quase a totalidade das cenas são internas, no apartamento à beira mar da artista; apenas poucas cenas externas que se referem ao relato da ricaça sobre sua vida pública. O diretor utiliza de um recurso peculiar: o espectador vê a tela diminuir, para que as reflexões de G.H. se tornem ainda mais íntimas. A câmera acompanha o percurso dela pelo apartamento até chegar ao pequeno quarto de empregada. É lá que tudo se passa, ou melhor, neste pequeno recinto que aquela mulher abastada se vê mergulhada em seus pensamentos, se vê confrontada com o mundo de Janair, a empregada que se demitiu, e se vê acuada diante da barata, um inseto asqueroso, repugnante, mas que a faz refletir e reavaliar seus valores de vida.
Antes do desfecho, o diretor faz um corte e a tela volta a ficar do tamanho normal. O espectador vê os bastidores da filmagem: além de vozes, ao fundo se ouve o dedilhar de uma máquina de escrever; o diretor sugere que se pense que o roteiro está sendo escrito por Clarice Lispector. Novamente a tela volta a ficar menor para as confissões finais e deduções de G.H. para o sentido de sua vida.
A Paixão Segundo G.H. não é um filme para grandes plateias, exatamente por não conter uma narrativa tradicional; requer muita atenção e entrega do espectador. Na sessão a que assisti — casa cheia no Derby do Cinema da Fundação — algumas pessoas deixaram a sala de exibição. No entanto, os fãs de Clarice Lispector e os amantes de cinema são contemplados com uma grande obra cinematográfica. E a performance de Maria Fernanda Cândido é impecável: a belíssima atriz se desnuda para a composição de uma personagem densa e de um complexo mundo interior.
Fotos: divulgação
2 Comentários
Adriana Bifulco
abril 17, 2024 @ 17:50
O filme deve ser maravilhoso, especialmente por ser dirigido pelo Luiz Fernando Carvalho. Amei a resenha!!
Maurício Mellone
abril 22, 2024 @ 14:26
Dri:
O Fava estava em manutenção e só hoje estou podendo responder seu
comentário.
O filme é denso e complexo, como a obra da Clarice Lispector. Vale a
pena, mas tem de se acostumar com a forma de narrar q é bem peculiar.
Muito obrigado por sua visita aqui,
Bjs e vá ao cinema conferir