De Maurício Mellone em janeiro 21, 2020
Com uma dramaturgia poética e sensível de Elmo Férrer, o espetáculo Nós, em cartaz no Espaço Parlapatões, mostra a relação entre Felipe e Rafael, vividos por Eduardo Osório e Chico Cardoso, que se conheceram ainda crianças num povoado à beira mar.
A trama dirigida por Cléo Moraes é recheada de idas e vindas no tempo e revela a forte relação de amizade criada entre os dois garotos, mesmo com temperamentos tão díspares. A rígida e conservadora formação de Felipe e a influência de dogmas religiosos impõem obstáculos para que o amor entre eles floresça.
O público entra na sala de espetáculo e já se depara com o ator em cena, que, ansioso, demonstra estar à espera de alguém ou de algo. Com o desenrolar da trama o espectador percebe que aquele personagem é Felipe (Eduardo) já adulto. Corte e novamente Felipe está na praia, fazendo castelos de areia quando Rafael (Chico) chega derrubando tudo; eles discutem e fica nítida a diferença de personalidade entre aqueles dois garotos: Rafael é curioso e libertário, enquanto o outro é tímido e introvertido. Outro corte e os personagens já estão na adolescência e as diferenças entre eles só ficam mais acentuadas. Enquanto Rafael está entediado por morar naquele povoado distante e sonha em ganhar o mundo, Felipe é conformado com sua vida e evita qualquer atitude que desagrade a mãe ou desobedeça as normas religiosas.
A história é contada com estes cortes e saltos no tempo — entre a infância, adolescência e fase adulta dos personagens — e o espectador vai compreendendo o drama vivido por Felipe e Rafael, que criam forte vínculo de amizade mas, em razão de preconceitos e dogmas religiosos, sentem dificuldade para romper estes obstáculos e dar vazão ao amor.
O texto é poético e o próprio título da peça propicia reflexões: se visto como pronome pessoal, a empatia é evidenciada, pois todos enfrentamos dúvidas para amar; se formos analisar o título como substantivo, o que sobressai são as amarras impostas pelas próprias pessoas para vivenciar o amor (a pessoa não se permite amar).
Montagem sensível, com destaque para a iluminação e a trilha sonora que sustentam a narrativa (a canção final é emocionante!). Senti falta, no entanto, que a direção enfatizasse as mudanças de tempo da trama, o que facilitaria a compreensão. Sintonia de interpretação entre Eduardo Osório e Chico Cardoso, mas como Rafael é um personagem mais solar e que chama o companheiro para a vida, fiquei bem impressionado com a performance do ator, que está estreando no papel (a montagem anterior trazia outro elenco). Não perca, temporada curta, somente nos finais de semana. Ao redigir a resenha, lembrei-me da canção Medo de amar nº3, de Péricles Cavalcanti, consagrada por Adriana Calcanhoto. O tema central da peça é muito bem retratado na música, confira.
Roteiro:
Nós. Texto: Elmo Férrer. Direção: Cléo Moraes. Elenco: Eduardo Osório e Chico Cardoso. Trilha sonora: Pedro Paulo Bogossian. Preparação vocal: Maria Rita Santos. Iluminação: Thiago Toledo. Cenário e figurino: Meraki Cia. Teatral. Fotografia: Rafael Anastasi. Produção: Meraki Cia. Teatral.
Serviço:
Espaço Parlapatões (96 lugares), Pr. Franklin Roosevelt, 158, tel. 11 3258-4449. Horários: sábado às 21h e domingo às 20h. Ingressos: R$40. Duração: 50 min. Classificação: 14 anos. Temporada: até 16/02.
Deixe comentário