De Maurício Mellone em novembro 27, 2023
Fui içado à literatura de Francisco Azevedo pelo boca a boca e pela indicação da amiga jornalista Adriana Bifulco. Hoje sou um fã declarado e mais uma voz a difundir a palavra deste sensível e envolvente escritor carioca, tanto que trouxe mais um jornalista, Silvio Rolim, para o fã-clube (imaginário) do roteirista, poeta, dramaturgo, romancista e ex-diplomata, nascido no Rio de Janeiro em 1951.
Autor da tetralogia — Arroz de Palma, Doce Gabito, Os novos moradores e A roupa do corpo, todos da Editora Record —, Francisco Azevedo lançou neste semestre O fio condutor sua estreia na LeYa Brasil. A trama acompanha a saga de dois personagens centrais: Inaiê, a cantora adolescente que traz no sangue e na pele a união de três raças (indígena, negra e branca) e do garoto de rua Caíque. Eles se cruzam de forma pouco usual e se reencontraram anos depois, formando um adorável casal. O inusitado da obra é que o narrador é o Brasil, o nosso país, porque para o autor “países são pessoas”.
“Ao Algo Maior, fio condutor que nos irmana, entrelaça e dá sentido.”
É com esta dedicatória que o escritor inicia a obra — traz ainda três citações, uma do libanês Khalil Gibran e outras dos brasileiros, Dona Ivone Lara e Darcy Ribeiro, que ajudam a compreender a trama. No entanto, é no prólogo que Francisco explica sua intenção com o livro:
“Países são pessoas. Pessoas também são países. O Brasil para mim é de carne e osso. Tem coração que bate. Dentro de mim, é esse Brasil que contará a história que se segue — uma história incomum de brasileiros comuns que são nossa verdadeira conexão nesta vida que tanto nos confunde e põe à prova.”
Neste romance novamente Francisco Azevedo volta a seu tema predileto, as relações familiares: é na “família que começamos nossos aprendizados e nossas limitações”. Em 416 páginas, o autor divide a obra em 61 capítulos curtos, sendo que cada capítulo começa com uma página azul e um traço; a medida em que a trama se desenrola os traços vão se unindo até formar no final o mapa do Brasil, o narrador da história. Com uma linguagem fluida, sem rodeios, direta e poética ao mesmo tempo, o leitor é enredado desde o início. Isto fica claro na apresentação de Caíque:
“Para ele, fogo não é castigo, é luz que indica saídas, atalhos, rotas de fuga. Olhem bem para ele. Corpo fechado e alma escancarada, porque ele é bom na essência.”
Outra característica do estilo do escritor: os títulos dos capítulos introduzem a trama que vai ser contada a seguir:
“CONVERSAS CASEIRAS E RUEIRAS
Conversas diversas. Às vezes, no apartamento de Inaiê. Às vezes, no apartamento de Caíque.”
Aqui também, como nos romances anteriores, o autor tece comentários filosóficos, na voz do narrador ou de algum personagem, que além de contextualizar a narrativa servem para reflexão:
“De saber que a vida, sem anestesia, dói. Mas que, sem beijos e amores, é desenxabida. ”
Usando a mesma metáfora do autor, afirmo que Azevedo costura a trajetória de vida de Inaiê e Caíque — da infância, à adolescência e fase adulta —, sem deixar qualquer fio solto, não há ponto sem nó, tudo é arrematado. Se Caíque desconhece sua história (os pais foram vítimas de uma enchente no morro e é adotado pelo livreiro libanês Faruk e pelo casal dono de uma barraca na praia), ele é convencido por Inaiê a conhecer sua ancestralidade. Ambos partem para o Nordeste até chegarem ao pequeno povoado de Ariel (referência à cidade paraibana de Areia), onde os pais viveram. A história do rapaz toma novos rumos a partir de então.
Você já percebeu meu fascínio pela literatura de Francisco Azevedo, poderia estender esta resenha/crítica por muito mais. Porém, é preciso finalizá-la. Antes, no entanto, quero ressaltar outra marca do autor: seu misticismo e religiosidade. Há vários elementos que comprovam isto, como o gorro das cores dos Orixás, a influência da umbandista Firmina, vó da garota, em sua formação, os bons conselhos do pastor (segundo marido da mãe de Inaiê) e a presença dos entes queridos falecidos dos personagens em momentos cruciais da trama. Mas é no título do livro que a tese, por vezes utópica, da confiança nas pessoas, nos países e principalmente no Brasil evidencia a fé do escritor, expressa na fala do narrador:
“Acompanhando as fortes contrações da Terra, estamos inevitavelmente presentes nesta esperançosa sala de parto que é o hoje, o agora, aguardando a grande mudança do pensar e do sentir coletivo. Mudanças que, ponho fé, há de nos sarar as antigas e profundas feridas.”
O autor encerra a trama de maneira poética e até visionária (importante lembrar que o livro foi escrito em plena pandemia do coronavírus). Azevedo retoma a tese defendida no prólogo e afirma que Caíque “fala e age como o vasto país”, assim como o narrador fala e age como ser humano:
“Agora, o que tem a fazer é arregaçar as mangas e seguir adiante, pegar céu e estrada e estrada e céu. E se dispor a ser mar e riacho, areia e terra, litoral e sertão entrelaçados”.
Título: O fio condutor
Autor: Francisco Azevedo
Editora: LeYa Brasil, 416 pgs
Preço: R$ 42,98
Fotos: divulgação
10 Comentários
Marcos Aurélio Carvalho
fevereiro 23, 2025 @ 11:15
Olá Maurício. Eu li todos os romances de Francisco Azevedo. É meu autor preferido, no Brasil. Está entre os preferidos da vida. Os livros que mais gostei foram: “O arroz de Palma” e “A roupa do corpo”. Mas, todos são ótimos.
Hoje, 23 de fevereiro de 2025 é o aniversário de 74 anos do autor. Publicarei em instantes um post no @letras.e.paginas e @marcos.livros76. Espero que veja e goste.
Gostei de suas resenhas. Li todas, temos perspectivas e sentimentos semelhantes em relação a Francisco. E como seria diferente? Afinal, “Família somos todos”, não?
“Você já percebeu meu fascínio pela literatura de Francisco Azevedo, poderia estender esta resenha/crítica por muito mais. Porém, é preciso finalizá-la. Antes, no entanto, quero ressaltar outra marca do autor: seu misticismo e religiosidade. Há vários elementos que comprov…..”, esta parte é essencial. Francisco nos mostra outras faces da vida, das pessoas, e dos locais que um dia conhecemos… E sobretudo, nos convida ao amor.
Maurício Mellone
fevereiro 24, 2025 @ 14:49
Marcos:
Que maravilha receber seu comentário tão profundo sobre a obra do grande Francisco Azevedo. Vou acompanhar seu trabalho a partir de agora.
Eu, tenho certeza q vc tb, estamos à espera da nova obra do escritor, que venho logo.
Muito obrigado pela visita e por suas palavras calorosas sobre a literatura, em especial a do FA
Um abraço e volte mais vezes
Suzy Martins
agosto 9, 2024 @ 20:53
Comprei o livro O fio condutor, indicado por uma amiga. Estou amando.
Maurício Mellone
agosto 11, 2024 @ 09:36
Suzy:
vc vai adorar a obra do Francisco Azevedo.
Se vc não conhecer os outros livros dele,
pesquise aqui no FAVO, fiz resenhas/críticas
de todos. Pode ser um incentivo para vc
ler os encantadores livros dele.
Obrigado pela visita
abraços
Marilene
abril 10, 2024 @ 15:45
Mellone, como não se apaixonar pelas obras do Francisco Azevedo? É poesia pura. Leia também “Eu sou eles”, são fragmentos das obras dele escritas até 2018. Você se renderá ao romantismo e beleza logo no início, eu super recomendo. Já viu que você não é o único fascinado por aqui.
Maurício Mellone
abril 22, 2024 @ 14:30
Marilene:
Somos do mesmo grupo de apaixonados pelo Francisco Azevedo!!!!
Demorei para conhecer O Arroz de Palma, mas depois não perdi um
só dos romances dele. Obrigado pela dica.
Ele, além das qualidades como escritor, é muito solícito e sempre me
responde (envio a ele as resenhas sobre os livros e recebo carinho
como resposta!)
Beijos, adorei conhecê-la e saber q somos do mesmo fã-clube!
Nadyr
dezembro 1, 2023 @ 14:15
Parabéns por mais uma ótima resenha! Além de uma boa indicação
Maurício Mellone
dezembro 1, 2023 @ 15:21
Nadyr:
Tomara q vc goste do livro do Francisco e tb se torne fã dele;
é em escritor carioca, verdadeiro contador de histórias.
Impossível ficar imune às tramas comoverntes dele.
Obrigado pelo comentário, volte sempre
Beijos
Adriana
novembro 27, 2023 @ 18:27
Esse livro realmente maravilhoso!! Pura poesia!! Vamos aguardar o próximo lançamento do nosso querido escritor.
Maurício Mellone
novembro 27, 2023 @ 18:48
Querida:
fico muito contente q tenha gostado da resenha sobre o livro do
nosso amado FA (Francisco Azevedo).
Beijos e obrigado por sua presença constante por aqui
Beijos