De Maurício Mellone em março 14, 2022
“Passei nove meses trancada em um quarto, escrevendo — questão de sobrevivência.”
Esta fala de Gabriela, personagem central de Doce Gabito, segundo romance de Francisco Azevedo lançado pela Editora Record, retrata com maestria o sentimento de quem vive da palavra: escrever é uma necessidade, a forma encontrada para sobreviver.
Particularmente vivo um momento ímpar: deixei minha cidade natal, São Paulo, passei por algumas cidades no Nordeste e estou há um mês morando em Recife. Vim em busca de novo ciclo de vida e o que vem me motivando é a palavra, assim como desabafa a personagem, alter ego do escritor, dramaturgo e poeta carioca, no final do livro. Por isto que, encantado com O arroz de Palma, me debrucei rapidamente no segundo livro de Azevedo, que faz parte de uma tetralogia de narrativas centradas em tramas familiares (os seguintes são Os novos moradores e A roupa do corpo). Além de tema familiar, Doce Gabito retoma a linguagem lírica, que mescla sonho e realidade.
Se no primeiro romance Azevedo revelava seu processo criativo — “sou o primeiro leitor-ouvinte das histórias que me vão sendo contadas pelos personagens que me visitam” —, desta vez já na primeira página o autor adverte:
“Cuidado: ficção é verdade — mundo real que nasce pelas mãos do escritor. Personagem tem vida própria, pode nos influenciar os pensamentos e os atos tanto quanto nosso mais íntimo amigo.”
E é assim que a personagem Gabriela assume as rédeas da narrativa e passa a contar sua saga, desde os tempos que vivia com os pais, o médico Egídio e a enfermeira Luzia, mortos em Xambioá, na guerrilha do Araguaia, os tempos que viveu com o avô Gregório na favela Santa Marta, no Rio de Janeiro, até o momento em que, com a morte do avô num deslizamento do morro, passa a morar com sua tia Letícia, dona de um luxuoso bordel no bairro da Glória. É lá, com a ajuda das ‘meninas’, que Gabriela cresce, amadurece e vive seus amores, desamores e os desafios da vida. Sonhadora por natureza, Gabriela vive entre a fantasia e o real, ela mesma define sua vida:
“Preservar na realidade e encarar o sonho. Ou encarar a realidade e preservar o sonho. Dá no mesmo.”
Com delicadeza e a sabedoria de contar uma boa história, Francisco Azevedo nesta obra investe mais ainda no realismo fantástico, tanto que Gabriela em seus sonhos convive com um misterioso senhor bigodudo, que a salva do acidente no morro, e que mais tarde ela vem a saber que se trata de seu xará, o escritor colombiano Gabriel Gárcia Marquez. Ela passa a chamá-lo de Gabito, que por sua vez é seu mentor e maior incentivador na escrita.
E neste jogo narrativo, o próprio autor vira personagem do livro: depois de um sonho revelador, Gabriela deixa o quarto onde ficou por meses escrevendo sua biografia, sai para passear e sem querer dá um esbarrão em Francisco, velho amigo. Eles combinam novo encontro e a personagem sugere que o “autor” leia sua biografia. Francisco adora o que lê e propõe transformar os escritos num romance. Único pedido dela, que o título permaneça: Doce Gabito.
São 460 páginas em que o leitor mergulha num mar de emoções proporcionado pela atribulada e emocionante saga de Gabriela Garcia Marques. Se fiquei encantado por Francisco Azevedo com o primeiro romance, não vejo a hora de terminar sua tetralogia!
Ficha técnica:
Titulo: Doce Gabito
Autor: Francisco Azevedo
Editora: Record, 460 pág
Preço: R$ 59,90
Fotos: divulgação
2 Comentários
Adriana Bifulco
março 15, 2022 @ 18:53
Resenha maravilhosa, fidelíssima à trama de Francisco Azevedo. É realmente uma leitura leve, que flui e instiga o leitor a se interessar pela saga de Gabriela Garcia Marques e de seus outros personagens.
Maurício Mellone
março 16, 2022 @ 09:50
Adriana:
que delícia q vc gostou do que escrevi sobre o livro
indicado por vc!
O Francisco Azevedo realmente encanta o leitor com
suas histórias que unem fantasia e realidade.
Um beijo e obrigado pela presença constante por aqui.