De Maurício Mellone em janeiro 29, 2015
Um autor que em suas obras retrata com extrema fidelidade e poesia o lado marginal e podre da sociedade — conheceu a prisão ainda moço, saindo e voltando dela várias vezes —, Jean Genet invariavelmente é revisitado e encenado em todo o mundo. E a temporada teatral paulistana está com duas montagens do dramaturgo francês. Depois do sucesso em 2014, Genet- o poeta ladrão, texto de Zen Salles e direção de Sergio Ferrara sobre a vida e obra do autor, voltou a ser apresentado, agora no Teatro Nair Bello, até 12 de fevereiro.
A outra montagem de Genet na cidade, no Teatro Aliança Francesa, é a versão do grupo Tapa para As Criadas, que faz parte de um projeto do grupo que inclui ainda no primeiro semestre mais uma produção sobre o autor, Esplêndidos.
Considerada clássica, tendo sido encenada com variadas leituras, a montagem de As Criadas do diretor Eduardo Tolentino enfatiza o lado psicológico daquelas duas irmãs — Clara vivida por Clara Carvalho e Solange interpretada por Denise Weinberg —, que trabalham para uma mulher rica e poderosa, papel de Emilia Rey. Num jogo de poder que envolve rancor, raiva, inveja, admiração, submissão, amor e ódio, as duas planejam a morte da patroa.
O cenário escolhido pelo diretor é o interior do quarto da madame, onde estão seus suntuosos vestidos, suas joias, perucas, maquiagem. Clara e Solange aproveitam a ausência da patroa para trocar de papel com ela e usam seus pertences, como crianças que usam os vestidos da mãe quando ela não está. Mas em nenhum momento o conflito de classes, o ódio e o rancor desaparecem das falas e atitudes das empregadas. A cena inicial, no entanto, em que há a troca de papéis (Clara apresenta-se como a dona da casa e sua irmã é a mais submissa dos serviçais) cria um ruído com a plateia: o espectador percebe que ambas são criadas só depois de vários diálogos entre elas. Estabelecido o jogo cênico novamente, as personagens continuam com a artimanha de se passar pela madame e sendo servida pela outra, além de articularem a morte da patroa, preparando um chá com veneno. A chegada triunfal da patroa restabelece os verdadeiros papéis sociais, com a arrogância e prepotência de um lado e a submissão e a subserviência do outro. Como o plano de assassinato não vinga e a patroa volta a sair, o sentimento de desespero e revolta se intensifica entre as criadas.
Vencedoras de diversos prêmios em suas carreiras, Denise e Clara têm a chance mais uma vez em As Criadas de mostrarem o quanto são talentosas e brilhantes atrizes. O cuidado e a delicadeza na produção, marca do grupo Tapa, também devem ser ressaltados nesta montagem. Recriada a parceria entre Aliança Francesa e o grupo — o Tapa foi residente artístico do teatro durante 16 anos, de 1986 a 2002 —, o público pode ter certeza que novas e instigantes produções virão deste reencontro.
Fotos: Ronaldo Gutierrez
4 Comentários
Imad
fevereiro 9, 2015 @ 12:21
Bela resenha, como sempre, que me fez recordar aquela noite em que tivemos o prazer de assistir a grandes atuações, inspiradas em rico texto. Obrigado pelo convite e por nos brindar com essa indicação.
Maurício Mellone
fevereiro 10, 2015 @ 18:02
Imad, querido:
fico contente q vc tenha gostado da resenha da peça
do Genet, montagem do grupo Tapa.
Vamos repetir a dobradinha na plateia muitas outras vezes!
bjs
Zen Salles
janeiro 29, 2015 @ 19:36
Ótimo que o mestre Genet seja visto e revisto pelas novas gerações, com a sua temática das sombras, sempre jogando luz nos nossos desejos mais ocultos. “As Criadas” é uma das peças dele que mais curto. Clara e Denise sempre ótimas, engrandecendo cada palavra da poesia cortante de Genet. A cena de Denise na escada e Clara naquele modelão interminável… Dois momentos da peça que vc baba de puro êxtase. E ainda tem a nossa que cumpre sua derradeira temporada, com Gelli, Nicolas, Rogério, Gabrielle e todo aquele elenco sensacional que se desnuda completamente em cena, sem perfumaria, do jeito que Genet sempre se mostrou em seus textos. Viva Genet. E parabéns sempre, Mellone. Curto demais esse teu Favo aqui, sempre trazendo as delícias teatrais feito na nossa cena. Vida longa, querido!!!
Maurício Mellone
janeiro 30, 2015 @ 12:45
Zen, querido!
Fico muito feliz com seu comentário e participação aqui no Favo.
Concordo com vc sobre o espetáculo do Tolentino: as cenas citadas por
vc são belíssimas mesmo e marcam a reviravolta da trama. Denise e Clara
arrasam!!!!
Já sobre sua peça (Genet o poeta ladrão), os elogios são grandiosos também.
O universo marginal e POÉTICO do maldito Genet está ricamente representado no palco.
Novamente parabéns a vc e toda a talentosa equipe!
E muito obrigado pela força e pelo incentivo! Procuro com o Favo
trazer um breve painel do que esta pulsante cidade nos proporciona!
bjs, amigo!