De Maurício Mellone em agosto 20, 2021
Depois de um ano e cinco meses sem poder receber o público em razão da pandemia do coronavírus, ontem o Teatro Aliança Francesa reabriu suas portas para a estreia de Um Picasso, peça do dramaturgo norte-americano Jeffrey Hatcher que recebe a primeira montagem brasileira sob a direção de Eduardo Tolentino de Araujo, numa produção inédita do Grupo Tapa.
A trama se passa em Paris, no início da década de 1940, quando o artista plástico espanhol Pablo Picasso, vivido por Sergio Mastropasqua, é levado a um porão para ser interrogado pela agente nazista Fraulein Fischer, interpretada por Clara Carvalho. No confronto de ideias, eles discutem sobre arte, política e vida no auge do período autoritário do século XX; no entanto a discussão é universal e nos remete aos dias atuais, em que o mundo se vê imerso numa onda conservadora e totalitária.
A primeira atração da noite foi o reencontro do espectador com a sala de espetáculo. Com máscara, temperatura medida e uso de álcool em gel, as pessoas — apenas 52 lugares disponíveis — iam chegando meio receosas, mas logo todos pudemos nos cumprimentar (aqueles soquinhos à distância) e entrar na sala para finalmente assistirmos a uma peça no local apropriado, o palco e não mais diante de uma tela de computador ou de celular!
Na trama, a razão do interrogatório policial é para que Picasso, diante de três desenhos atribuídos a ele, possa dar autenticidade a pelo menos um deles. A agente nazista inicialmente afirma que os desenhos farão parte de uma exposição, mas, com o desenrolar do embate entre eles, confessa que as obras consideradas ‘degeneradas’ serão queimadas.
A discussão entre o pintor e a nazista é complexa e ambos revelam muitas facetas de suas personalidades. Entretanto, o cerne do embate entre eles é análise da pintura Guernica, ícone da produção de Picasso, uma denúncia contra a guerra e a violência. Além da obra em si, eles discutem sobre arte, política (a relação entre uma e a outra) e sobre a vida e a morte. Daí a contemporaneidade do texto.
“A peça é crivada na atualidade, apesar de passada no período da guerra e ser uma oficial da Gestapo interrogando um dos maiores artistas da história da humanidade. A arte não pode nada contra as armas, mas sobrevive e nos faz repensar a história. É fundamental colocar a importância da arte em um momento que pensamentos autoritários tentam demonizá-la. O que a peça diz é que a arte vai sobreviver a tudo isso”, argumenta Eduardo Tolentino de Araujo.
Além de uma trama bem articulada, que mostra pontos de vista conflitantes sobre temas fundamentais, o grande destaque da montagem é o vigor e a sintonia perfeita em cena entre Clara Carvalho e Sergio Mastropasqua. O diretor montou esta peça em Portugal, em 2014, com a Companhia de Teatro de Braga, e no ano passado pretendia levá-la ao palco, mas foi impedido pela pandemia. Com a reabertura dos teatros, cumprindo todos os protocolos, o espetáculo permanece em cartaz até o final de setembro. Faça um esforço e vá conferir!
Roteiro:
Um Picasso. Texto: Jeffrey Hatcher. Direção: Eduardo Tolentino de Araujo. Assistente de direção e diretor de produção: Ariel Cannal. Elenco: Sergio Mastropasqua e Clara Carvalho. Iluminação: Nicolas Caratori. Design gráfico: Mau Machado. Fotografia: Ronaldo Gutierrez. Adereços: Jorge Luiz Alves. Assistente de produção: Rafaelly Vianna.
Serviço:
Teatro Aliança Francesa (52 lugares), Rua General Jardim 182, tel. (11) 3572-2379. Horários: de quinta a sábado às 20h e domingo às17h. Ingressos: R$40 e R$20, vendas somente online (https://grupotapa.com.br). Duração: 80 min. Classificação: 14 anos. Temporada: até 26 de setembro.
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