De Maurício Mellone em setembro 4, 2017
“E quando o nosso tempo passar/
Quando eu não estiver mais aqui/
Lembra-te, minha nega
Desta cantiga
Que fiz pra ti”
Com um intervalo de seis anos — o último CD, Chico, é de 2011 —, Chico Buarque acaba de lançar pela Biscoito Fino o álbum Caravanas, com nove faixas, sendo sete inéditas e duas regravações. Aos 73 anos, o poeta está mais vivo do que nunca, tanto para enaltecer a amada (“serás o meu amor, serás, amor/A minha paz), como, mesmo sabendo se tratar de um amor impossível, ele ainda mantém esperanças. Aqui o humor é pulsante: “que no coração de Bia/Meninos não têm lugar/Porém nada me amofina/Até posso virar menina/Para ela me namorar”). O tempo é outro tema recorrente nesta nova produção. Chico tem a sábia noção da passagem dos anos, não vê com melancolia e tristeza a velhice. E seu olhar crítico à sociedade permanece inalterado, principalmente na canção que fecha o disco, As Caravanas: “Sol, a culpa dever ser do sol…/que bate na moleira, o sol/Que estoura as veias, o suor/Que embaça os olhos e a razão/
Como estratégia de marketing, Tua cantiga, parceria de Chico com Cristóvão Bastos, foi lançada inicialmente e dá o tom lírico do álbum: a musa é enaltecida e o poeta nunca está com a amada. Em Blues pra Bia é o amor impossível, assim como em Desaforos, em que mesmo sabendo que ela não lhe quer o poeta não acredita que de “teus lábios delicados roguem pragas por aí”. Em Jogo de bola, Chico, um amante e jogador de futebol até hoje, brinca ao associar o drible de bola com o fora da mulher amada. Aqui também a questão do tempo é tratada com sabedoria: “E ver rolar a pelota nos pés de um moleque/É ver o próprio tempo num relance/E sorrir por dentro”. O tempo também está presente em outras canções: além da Tua cantiga, em Massarandupió (parceria com o neto Chico Brown), há a lembrança da infância (“devia o tempo de criança ir se arrastando até escoar, pó a pó/Num relógio de areia o areal de/ Massarandupió”). Em Dueto, originalmente gravada por Chico e Nara Leão, desta vez ele divide a canção com a neta Clara e há uma atualização: aquele amor não só consta dos autos, das bulas, tratados, teses, como do Google, do Twitter, do Facebook, WhatsApp, Instagram, Skype etc.
Com direção e produção musical de Luiz Claudio Ramos, acompanhado por João Rebouças (piano), Jorge Helder (contrabaixo), Jurin Moreira (bateria) e Guto Wirti (baixo), Chico regravou também A moça do sonho, parceira com Edu Lobo para o musical Cambaio, em que o lirismo é a tônica: “Há de haver algum lugar/ Um confuso casarão/Onde os sonhos serão reais/E a vida não.”
A crítica social e a denúncia ficaram para a já obra prima As Caravanas, que encerra o álbum. Com sutileza, Chico Buarque denuncia o racismo, a intolerância e o preconceito.
“Tem que bater tem de matar,/
engrossa a gritaria/
Filha do medo, a raiva é mãe da covardia/
Ou doido sou eu que escuto vozes/
Não há gente tão insana/
Nem caravana do Arará.”
Num momento de radicalismo político e atitudes fundamentalistas (de lado a lado), Chico Buarque já foi duramente criticado por suas posições políticas. Entretanto a poesia está acima de qualquer partidarismo. Caravanas é a maior prova disto. Como aperitivo, fique com o clipe oficial de Tua cantiga:
Fotos: Leo Aversa/divulgação
2 Comentários
Dinah Sales de Oliveira
setembro 4, 2017 @ 18:31
Ai, Maurício, com o Chico sou obrigada a chover no molhado!!! Que beleza (e só ouvi ainda 2 músicas do novo disco) de homem, de letras, de cantigas, de amores!
Tudo passa pela batuta delicada do nosso maior compositor popular desde há um tempão.
Sei que Caravanas não vão passar por aqui, mas vou atrás logo mais.
Você havia comentado que estava gostando muito do disco. Boa resenha!
beijo,
Dinah
Maurício Mellone
setembro 5, 2017 @ 10:54
Dinah,
Que delícia receber seu comentário sobre
a resenha sobre o nosso ‘maior compositor popular’.
Adorei escrever, tentando passar o clima criado pelo
mestre em seu novo trabalho.
Muito obrigado pela presença sempre constante (e ligeira) aqui no Favo.
Bjs e mais bjs!