De Maurício Mellone em janeiro 3, 2019
Nada melhor do que iniciar 2019 aqui no Favo com uma dica de literatura. Com grande número pessoas curtindo férias ou as folgas em razão das festas de final de ano, há mais tempo para colocar em dia a leitura. E a minha indicação é para o terceiro romance de Alexandre Vidal Porto, Cloro, que acabou de ser lançado pela Companhia das Letras.
Depois do premiado Sergio Y. vai à América , o escritor está de volta com mais uma instigante história. Desta vez o leitor é surpreendido já nas primeiras linhas, com o personagem em primeira pessoa anunciando:
“A coisa acabou para mim. Morri ontem de manhã.”
Sem rodeio, o enredo parece se inverter: a morte é descrita no início e a partir daí o personagem central, Constantino, faz uma verdadeira avaliação de sua existência no mundo, desde o trauma de ter sofrido bullying ao ser chamado de bicha na escola, sua reação escondendo seus sentimentos, seu casamento com Débora, a carreira como advogado, a tragédia familiar, até seu embate com a homossexualidade e sua morte precoce aos 50 anos.
Impossível ao se deparar com a sinopse do livro de Vidal Porto não se lembrar do clássico e revolucionário romance Memórias póstumas de Brás Cubas de Machado de Assis. O ‘defunto autor’ Brás Cubas também inicia seu relato anunciando que está morto. Com ironia e sarcasmo, o personagem machadiano ao contar sua vida faz um painel social da época, mostrando os bastidores da sociedade carioca do século XIX. Já Constantino, em Cloro, faz um verdadeiro mergulho para dentro de si mesmo, revelando sua intimidade. “Você saberá coisas que eu não gostaria que ninguém soubesse. Mas não faz sentido mentir. Morto, tenho de ser honesto.”
Em 151 páginas, o livro é divido em três: na Primeira Parte: Eu, com sugestivos 24 capítulos, o personagem faz uma retrospectiva de toda a sua vida, até o momento da morte; já na Última Parte: Os Outros, com sete capítulos, quem assume a narração são todas as pessoas ligadas a Constantino, desde a pessoa que o encontrou morto na sauna, os funcionários da embaixada brasileira no Japão, o cunhado, a esposa, a filha e até o ex-namorado dele. No curto Epílogo, a obra se fecha com o personagem (e o próprio autor) trazendo uma visão peculiar e sensível sobre a vida e a morte.
Com uma linguagem direta e sucinta, o autor cativa e prende o leitor desde a primeira linha, graças ao relato sincero em primeira pessoa do personagem. Vidal Porto também sabe usar de metáfora para explicar passagens da vida de Constantino:
“Eu não quis pagar nada….Achava que a vida me daria um desconto. Aos poucos, percebi que não havia desconto programado e que a vida cobrava por ação e por omissão. Descobri que estava com saldo negativo no cheque especial, pagando juros sobre juros.”
Com um curto e enigmático título, comecei a leitura já querendo descobrir o porquê deste nome. E a palavra cloro é usada de forma comedida, mas sempre remetendo à lembrança que o personagem tinha do “cheiro de cloro no corpo do professor de natação. Em minha memória, não há abraço mais antigo que o dele”. Cloro evoca sensualidade, libido e a homossexualidade do personagem.
Sem dúvida um livro envolvente, que comprova o talento e o domínio narrativo de Alexandre Vidal Porto, um dos grandes expoentes da contemporânea literatura brasileira.
Ficha técnica:
Título: Cloro
Autor: Alexandre Vidal Porto
Editora: Cia das Letras, 151 pgs
Preço: R$ 49,90
Fotos: divulgação
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