De Maurício Mellone em junho 13, 2022
O que mais me chamou a atenção no romance O avesso da pele, de Jeferson Tenório, escritor carioca radicado em Porto Alegre/RS, é que personagem e situações narradas são tão reais que, do ponto de vista literário é encantador esta fusão de ficção e realidade, mas ao mesmo tempo, por retratar a sociedade brasileira atual, é aterrorizante. Como em pleno século XXI um professor negro, depois de um dia estafante de trabalho, ainda sofre blitz policial ao chegar em casa e é brutalmente fuzilado? Este fato é pura ficção ou um retrato fiel da realidade brasileira?
O livro de Tenório, editado pela Companhia das Letras, recebeu o Prêmio Jabuti/2021de romance literário, e narra o drama de Pedro, que após a morte seu pai, o professor Henrique — morto por policiais —, resolve reconstituir a história e a origem de sua família. A partir dos objetos pessoais do pai, Pedro vai montando um imenso quebra-cabeça sobre a trajetória de Henrique e de sua mãe, Martha, o que revela as situações de racismo porque eles passaram durante a vida, assim como escancara o estado deplorável do sistema educacional do país.
Com uma linguagem criativa, o autor conduz a trama por meio da investigação de Pedro, que deseja remontar a história familiar. O narrador/Pedro, sempre na primeira pessoa, utiliza os objetos encontrados no apartamento de Henrique para reconstituir os fatos. No entanto, sempre que necessário, o autor utiliza de um recurso gráfico (texto em itálico) para introduzir outras vozes à narrativa; é desta forma que Henrique, Martha, Luara (irmã de Henrique) e os demais personagens aparecem na trama.
A obra é dividida em quatro capítulos — A pele, O avesso, De volta a São Petersburgo e A barca —, que remontam a investigação de Pedro e desta maneira evidenciam como o cotidiano de uma família negra, moradora de Porto Alegre, é constantemente crivado por atitudes racistas e preconceituosas, culminando numa cena de extrema violência.
Sem se prender a uma ordem cronológica, Tenório remonta os momentos da vida Henrique (seus primeiros namoros com mulheres brancas, a entrevista de emprego, sua relação com alunos em sala de aula), assim como os de Martha (a morte da mãe, sua adoção por uma família branca, os namoros com homens brancos e o primeiro casamento com o branco Vitinho).
O título da obra pode não ser compreendido de imediato. Mas é Henrique que explica o real significado do avesso da pele para o seu filho ainda criança:
“É necessário preservar o avesso. Preservar aquilo que ninguém vê. Porque não demora muito e a cor da pele atravessa nosso corpo e determina nosso modo de estar no mundo. E você tem de preservar algo que não se encaixa nisso. Pois entre músculos, órgãos e veias existe um lugar só seu, isolado e único. E é nesse lugar que estão os afetos. E são esses afetos que nos mantêm vivos”.
Desde o início o leitor sabe o desfecho da história, mas graças ao talento de Jeferson Tenório em narrar e criar personagens tão verossímeis é impossível parar de ler até saber como tudo aconteceu. Na tentativa de montar o quebra-cabeça da sua família, Pedro passa por um processo de autoconhecimento:
“Abalado pelas fraturas existenciais de sua condição de negro em um país racista, Pedro passa por um processo de dor, de acerto de contas, mas também de redenção, superação e liberdade. Estamos diante de um escritor que sabe arquitetar uma boa trama e encantar o leitor”, argumenta Paulo Scott na apresentação do livro.
O cantor e compositor Criolo em entrevista para Roberta Martinelli, no programa Som a Pino, da Rádio Eldorado FM, considera O avesso da pele uma obra fundamental para se entender o Brasil:
“O livro do Tenório fala destes recortes sociais. Viver este agora dói muito, dói demais. Mas de modo afetuoso, a arte cria pontes e provocar é também entender que no outro tem sensação, sentimentos e que algo de transformação positivo possa acontecer”, arremata Criolo.
Ficha técnica:
Titulo: O avesso da pele
Autor: Jeferson Tenório
Editora: Companhia das Letras, 192 pág
Preço: 64,90
Fotos: divulgação
6 Comentários
Rodolfo Soares Claus
junho 14, 2022 @ 11:13
Oi Maurício, que bela resenha. Fiquei interessado, e vou comprar. Abcs querido!
Maurício Mellone
junho 14, 2022 @ 11:40
Rodolfo, querido:
obrigado. Vc vai se emocionar com este livro.
Fiquei impactado, comovido; retrato fiel
da sociedade brasileira, que ainda nutre o racismo
e desrespeita o ser humano.
Venha outras vezes me visitar!
Beijos
Dinah
junho 14, 2022 @ 10:21
Maurício,
Li muitas coisas a respeito desse livro, todas muito elogiosas, o que vc reafirma aqui. Quero ler.
Beijos
Maurício Mellone
junho 14, 2022 @ 10:48
Dinah, querida:
o livro do Tenório é mesmo de causar grande impacto.
Como não se indignar diante de uma morte brutal cometida por
policiais? Ficção ou realidade?
Um dos questionamentos da obra.
Leia, tenho certeza q irá se emocionar.
Beijos e obrigado por sua presença constante por aqui!
Zedu Lima
junho 14, 2022 @ 10:07
Excelente resenha. Vou comprar “O avesso da pele”.
Maurício Mellone
junho 14, 2022 @ 10:17
Zedu,
Fico feliz que tenha gostado da resenha.
É impactante a obra do Tenório, principalmente
porque faz um recorte da sociedade brasileira atual.
Beijos e obrigado pela visita.
Volte sempre!