De Maurício Mellone em novembro 29, 2013
Não poderia ser melhor a estreia de Marcelino Freire no mundo das histórias mais longas, os romances. Mestre na arte de contar histórias pequenas, até microcontos de uma única linha
“Secreta ria da chefia”
em Nossos Ossos, livro que acaba de ser lançado pela Editora Record, o escritor pernambucano vem com a mesma verve criativa e, com uma linguagem ágil, bem-humorada e poética, conta a saga do escritor e dramaturgo Heleno de Gusmão, que ao saber da morte do garoto de programa Cícero, resolve conceder um enterro digno àquele que lhe dera tanto prazer e alegria.
Vencedor do Prêmio Jabuti/2006 com o livro Contos Negreiros, Marcelino Freire mora em São Paulo desde os anos 90, mas é pernambucano de Sertânia, assim como o personagem central de seu primeiro romance. Ele confessa que há muito de sua experiência de vida em Heleno, mas a história não é autobiográfica. Marcelino gosta de afirmar que em seus contos são “quase gritos, rock pauleira”. No entanto, no romance diz que não podia ficar gritando no ouvido do leitor o tempo todo. Por isso, seus gritos neste livro ficaram mais abafados, “são músicas mais orquestradas”, define o autor.
Narrada em primeira pessoa, a trama gira em torno de Heleno de Gusmão, de quase 60 anos, que deixou o Nordeste na mocidade para vir ao encontro de seu amor de juventude, o ator Carlos. Ao chegar em São Paulo, Heleno fica à espera do namorado na rodoviária e, sem contato algum na cidade grande precisa se arranjar, já que o ex havia lhe abandonado.
Num ritmo ágil, a trama é composta de idas e vindas no tempo, ao ritmo da memória do personagem central. Mas o que determina as ações de Heleno é a morte do garoto de programa Cícero. Ao saber por um michê do Largo do Arouche que Cícero havia sido assassinado brutalmente e que jazia no IML, Heleno resolve resgatar no necrotério o corpo do jovem amante e levá-lo para a família, que mora no interior de Pernambuco, em Poço do Boi.
A jornada de Heleno envolve forte dose de investigação, o que faz com que surja uma série de personagens característicos da noite paulistana, como michês, atores, policiais, putas, travesti e taxistas. Aos poucos o leitor torna-se cúmplice do resgate de Cícero, que na verdade é também o resgate da história de vida do dramaturgo pernambucano, que precisa levar os ossos — nossos — de volta à terra de ambos, Cícero e Heleno.
Assim como nos contos, a marca registrada de Marcelino Freire está presente em Nossos Ossos, ou seja, a oralidade típica do Nordeste brasileiro, o bom humor e o criativo e poético jogo de palavras:
“A gente, mesmo sem querer, se lembra, durante uma eternidade a gente se lembrará do fim da inocência, do que restou daquele primeiro amor, do dia em que meu coração foi ao inferno e voltou, de mãos vazias, porque era fogo falso aquela alegria, a chama, as brasas, quem diria?”
A poesia na prosa ou a prosa poética de Marcelino Freire encanta a todos, independente do gênero: romance, conto, microconto.
Marcelino, seja muito bem- vindo às longas histórias. Empolgue-se com elas e nos brinde com seu talento e criatividade!
“Conta mais, quando crescer eu quero ser várias pessoas, ir fundo, escrever para me sentir, assim, o dono do mundo, o rei dos animais.”
Fotos: divulgação
2 Comentários
Nanete Neves
dezembro 3, 2013 @ 09:34
Precisa a sua resenha. Marcelino mandou bem nessa sua estreia na narrativa longa. Que venham outros! Parabéns pelo blog, cada dia mais interessante.
Maurício Mellone
dezembro 3, 2013 @ 14:12
Nanete:
Nosso amigo está mesmo de parabéns: se nos contos já é um mestre,
no romance veio com toda a força!
Obrigado pela força e incentivo!
bjs