De Maurício Mellone em fevereiro 14, 2019
“Meu negócio é com a palavra. Meu negócio é descascar as palavras, se possível, até a mais lírica semente delas.”
Com estas e outras tantas palavras (descascadas pelo poeta) que a exposição Ocupação Manoel de Barros foi aberta ontem, na sede do Itaú Cultural, com a presença do escritor Marcelino Freire e da compositora e cantora Marlui Miranda, que leram poemas do homenageado. Após o pequeno sarau, o público pode ter acesso à mostra, que reúne os cadernos de rascunhos (feitos pelo próprio poeta) com seus escritos, livros, desenhos, pinturas, além de monitores com entrevistas e depoimentos de Manoel de Barros sobre sua obra e sua visão bem peculiar da vida.
A mostra, uma realização do Itaú Cultural com o envolvimento dos núcleos de Audiovisual e Literatura e da Enciclopédia, recebeu consultoria de Martha Barros (filha do escritor) e Regina Ferraz; o projeto expográfico é assinado por Adriana Yazbek.
“Poesia é voar fora da asa”
Só depois deste verso do poeta declamado em uníssono pelo público e pelos anfitriões Marcelino Freire e Marlui Miranda que todos puderam adentrar à mostra. Antes, porém, Marcelino prestou homenagens durante a leitura dos poemas: primeiro ao ativista ambiental Chico Mendes e depois à grande atriz e diretora Bibi Ferreira, que nos deixou esta semana.
A mostra é a 43ª edição da série Ocupação, que resgata o legado de nomes fundamentais da arte e da cultura brasileiras; da literatura já foram homenageados Antonio Cândido, Conceição Evaristo, Haroldo de Campos, Hilda Hilst, Mário de Andrade, Nelson Rodrigues e Paulo Leminski. E como não poderia deixar de ser, a entrada da exposição em homenagem a Manoel de Barros é com um espelho d’água (“Ao nascer eu não estava acordado, de forma que não vi a hora. Isso faz tempo. Foi na beira de um rio.”). Em seguida, na parede são projetados poemas e desenhos do escritor. Todo o espaço é recheado de palavras, com estantes com livros e objetos de Manoel, pequenas instalações na parede com poemas impressos, cones com os cadernos de rascunhos (de vários tamanhos), quadros e telas pintados pelo artista, fotos dele e de sua família, além de monitores com entrevistas e depoimentos do escritor em seu habitat, ou seja, perto da mata, dos pássaros e animais.
“Fazer o desprezível ser prezado é coisa que me apraz.”
Toda a mostra é composta do acervo do escritor, inclusive dos rascunhos escritos à mão, tudo para que o público tenha acesso à trajetória do poeta e ao seu processo criativo. A filha dele, a artista visual Martha Barros, foi a responsável pela pesquisa:
“Tenho em casa uma biblioteca com cartas, fotos e todo o material literário do meu pai, mas foi necessário fazer uma longa busca e organização para a exposição. Desejo que esse esforço de todos faça as pessoas lerem mais, pois a melhor maneira de conhecer um poeta e a sua obra é lendo”, argumenta Martha Barros.
E este desejo, dar a chance para as pessoas lerem, está mais do que alcançado: ao entrar, o visitante recebe um catálogo com uma série de poemas e escritos de Manoel de Barros, extraídos de entrevistas que ele concedeu durante a vida.
“Não escrevo por inspiração de fato. Eu escrevo por excitação. Se uma palavra me excita, eu vou nela”.
“Palavra que eu escrevo me inclui nela. Não vou desprezar nenhuma senão eu mesmo ficarei em pedaços”.
Há ainda uma série de conteúdos on line, com entrevistas em vídeo com parentes e outros escritores, que podem ser acessados pelo link itaucultural.org.br/ocupacao. E para que o mergulho no universo de Manoel de Barros seja ainda mais profundo, não deixe de assistir o solo com Cássia Kis, em cartaz até 24 de fevereiro. Pra encerrar, um trecho do poema O Apanhador de desperdícios:
“Meu quintal é maior do que o mundo./
Sou um apanhador de desperdícios:/
amo os restos/
como as boas moscas/
Queria que a minha voz tivesse um formato de canto./
Porque eu não sou da informática:/
eu sou da invencionática./
Só uso a palavra para compor meus silêncios.”
Roteiro:
Ocupação Manoel de Barros. Mostra sobre a trajetória do poeta mato-grossense. Itaú Cultural, Av. Paulista, 149, tel. 11 2168-1777. Horários: de terça a sexta das 9h às 20h; sábado, domingo e feriado das 11h às 20h. Ingressos: gratuitos. Temporada: até 07/04.
Fotos: divulgação
2 Comentários
Nanete Neves
fevereiro 14, 2019 @ 20:17
Sou fãzaça do Manoel! Depois desta resenha vou logo
Maurício Mellone
fevereiro 15, 2019 @ 14:32
Nanete:
Não deixe de ir (temporada até abril, dá tempo para se
organizar).
Mas assista tb o solo da Cássia Kis: este sim precisa correr:
só até 24/02.
bjs e obrigado pela constante presença por aqui