De Maurício Mellone em outubro 24, 2022
Numa coprodução Brasil/Argentina, o filme O livro dos prazeres, em cartaz no Cinema da Fundação, é dirigido por Marcela Lordy e livremente inspirado no livro de Clarice Lispector, Uma Aprendizagem ou O Livro dos Prazeres, lançado em 1969.
A atriz Simone Spoladore vive a personagem central, a professora primária Lóri, uma pessoa triste, angustiada e presa dentro de si, que luta para se desvencilhar de seus fantasmas e dilemas interiores. Além de seu trabalho junto às crianças na escola em que trabalha, Lóri se isola do mundo e evita o contato social. Tudo se modifica quando ela se apaixona pelo professor universitário de filosofia Ulisses, papel do ator e compositor argentino Javier Drolas, que faz com que Lóri promova uma revolução interior.
Transpor para o cinema uma obra literária é sempre um desafio. Quando se trata de um livro de Clarice Lispector as dificuldades só aumentam, pois na maioria das vezes a autora valoriza o universo íntimo e as contradições do mundo interior das personagens. Este é o caso de Lóri:
“Preciso entender que amar
não é morrer.”
Esta frase dita por Lóri num momento do filme define profundamente a personagem e o universo da obra da escritora. Por mais que idealize uma relação amorosa, no íntimo ela só mantém encontros frágeis, só por sexo, sem vínculos afetivos, como uma forma de se preservar. Resultado: Lóri permanece na solidão, ensimesmada, mesmo morando num imenso apartamento da família, em frente a uma paradisíaca praia do Rio de Janeiro.
Com roteiro assinado em parceria entre a diretora e Josefina Trotta, tendo como base o livro de Clarice, o filme se passa praticamente dentro do apartamento, com poucas cenas externas, já que o cotidiano de Lóri se restringe à sala de aula com as crianças e seu mundo interior. Uma das únicas interferências nesta rotina é a visita de Davi, interpretado por Felipe Rocha, um dos irmãos da professora; o encontro entre eles é um misto de atração e repulsa, de amor e ódio.
No entanto, o que provoca uma mudança na vida de Lóri é a chegada de Ulisses, um homem bem resolvido, centrado e ao mesmo tempo enigmático para aquela mulher insegura e arredia. A atração existe, mas está latente, oculta e ele incita Lóri a entender seus sentimentos e libertar seus fantasmas.
“Eu não quero mais me esconder”
A diretora utiliza recursos que remetem à obra literária, com frase ou palavra para dividir a narrativa. E o final é o que mais caracteriza esta intenção: depois da intensa e efusiva relação sexual entre os personagens, a diretora fecha o filme com dois pontos, assim como Clarice Lispector encerra seu livro. Desta forma fica para o imaginário do espectador o desfecho da história!
Além de uma bela fotografia e uma direção sensível e segura, o grande destaque do filme é para a interpretação de Simone Spoladore, que transmite a densidade da personagem e suas diversas nuances psicológicas.
Fotos: divulgação
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