De Maurício Mellone em outubro 28, 2015
Num texto denso e profundo, Otávio Martins com Pergunte ao Tempo, em cartaz segundas e quartas no CCBB-SP, propõe uma reflexão sobre a vida, a morte, a memória e, fundamentalmente, sobre o tempo e como lidar com ele.
Numa noite de Réveillon, meia hora antes da chegada do ano novo, um rapaz, vivido por Giovani Tozi, começa a se questionar sobre o que aconteceu com ele e com sua namorada, interpretada por Guta Ruiz. Fatos do passado vêm à tona e tanto a garota como um senhor mal-humorado, papel de Luiz Damasceno, esclarecem e ao mesmo tempo omitem algumas passagens, o que obriga o rapaz a fazer uma verdadeira análise de sua própria existência.
O espetáculo tem início e a plateia começa a ouvir pingos d’água; no escuro, somente com o auxílio de uma pequena lanterna, o rapaz quer saber onde está, questiona seus gostos (diz que há tempos não come e até se esqueceu do sabor dos alimentos) e pergunta por fatos ocorridos no passado em sua vida. Aparece então, também na penumbra só com outra lanterna, a garota que tenta responder as indagações do rapaz, que na verdade foi seu namorado. Para deixar ainda mais nebulosa a situação, surge um velho que também elucida fatos da trajetória do rapaz, mas traz outras dúvidas sobre o presente, o passado, o futuro, pondo em questão a noção de tempo e espaço.
Quem são realmente aqueles personagens, qual a relação entre eles, tudo aquilo não passa de imaginação do jovem, serão as memórias dele ou relatos do que aconteceu na verdade. Estes questionamentos movem toda a trama e precisam ser desvendados pelo espectador no decorrer da peça.
No programa, o autor, que também assina a direção, confessa que seu texto é dedicado ao pai, que faleceu este ano de Alzheimer:
“Esta peça é uma viagem nesse universo obscuro em que a imaginação e a consciência se misturam com a memória. Este texto é uma homenagem à memória de meu pai. Agradeço cada traço herdado, por tudo que não dissemos um ao outro, por todo nervo exposto, por toda a trajetória: obrigado, pai”, exclama Otávio Martins.
A concepção cênica do espetáculo é o que mais me chamou a atenção: o rapaz profere suas dúvidas e questionamentos numa mesa no centro do palco, que é cercada por água e luzes; depois deste círculo há uma cortina transparente, que isola a cena do restante do palco. A transposição desta cortina provoca a ruptura entre o imaginário e a realidade. O cenário de Cássio Brasil, a iluminação de Pedro Garrafa e a trilha sonora original de Ricardo Severo estão intimamente interligados e conectados à proposta da direção. A interpretação visceral de Luiz Damasceno em comunhão com a atuação de Giovani Tozi e Guta Ruiz completam este espetáculo reflexivo e provocador de grande impacto no espectador. Impossível sair incólume do teatro.
Fotos: Priscila Prade
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