De Maurício Mellone em agosto 29, 2023
Depois de participar dos festivais de Cannes/França e Munique/Alemanha e de Gramado/RS, a mais recente produção do diretor recifense Kleber Mendonça Filho, Retratos Fantasmas, acaba de estrear na cidade, mais precisamente no Cinema da Fundação, salas do Derby e do Porto, em sessões com lotadas!
O documentário, narrado pelo próprio diretor e que levou sete anos para ser realizado, é dividido em três partes. Na primeira Kleber recupera tomadas que fez no apartamento comprado por sua mãe, a historiadora Joselice Jucá, no bairro de Setubal, para vários curtas-metragens e para o longa O Som ao Redor/2012. Além de mostrar as mudanças da sua vida e da família, o diretor relata as alterações sofridas pelo bairro durante algumas décadas. A segunda parte é dedicada à história dos grandes cinemas do centro do Recife, como Cinema São Luiz, Art Palácio, Trianom, Veneza e Moderno. Emendada a esta parte, a terceira discute como o cinema ajuda na preservação tanto da memória de cada um de nós, quanto da memória do patrimônio cultural e imaterial da humanidade.
Conhecido por seus longas de grande sucesso junto ao público, como Aquarius/2016 e Bacurau/2019, o diretor volta seu olhar novamente para a sua cidade natal. Com esta produção, ele cumpre a máxima da estética: falar de sua aldeia para atingir o universo. No início do filme, ele retrata a própria casa onde viveu desde a infância e adolescência e boa parte da vida adulta. Paralelamente às reformas empreendidas por sua mãe na residência, o diretor recupera cenas de diversos curtas que realizou lá e do longa O som ao redor. Mais do que relato histórico, Kleber discute as transformações vividas pelos moradores do bairro.
Com esta mesma preocupação é que o diretor conduz o espectador para as grandes salas de cinema do centro do Recife. Imagens do auge do cinema de rua do final do século XX e sua história são intercaladas com as atuais, que retratam o momento de abandono e descaracterização do centro da cidade, com a proliferação de igrejas (em antigos cinemas) e drogarias nas esquinas das ruas. O diretor afirma que quando o dinheiro (o capital) procura outros locais, o antigo bairro é abandonado. Infelizmente fato corriqueiro nas grandes cidades brasileiras e também do exterior.
Uma peculiaridade da pesquisa do filme: Kleber descobre durante a produção que o cinema Art Palácio (com uma sala no Recife e outra em São Paulo) pertencia à produtora alemã Ufa, “que era um braço de propaganda nazista”; o projeto da Ufa não prosperou, mas as salas tiveram suas carreiras independentes da intenção inicial. Na terceira parte há duas passagens interessantes: as cenas sobre o projetista do cinema Art Palácio, Alexandre Moura, e a entrevista da mãe de Kleber, ambos já falecidos. A experiência de vida deles se encaixa na proposta do diretor: as pessoas partem, mas não desaparecem, suas idéias, se registradas, perduram. As cenas finais são surpreendentes: o taxista mantém um diálogo rico de humor e fantasia, que também se amarram com a proposta do diretor. A imagem e o cinema podem desaparecer (fisicamente), mas nos conduzem. Como o taxista!
Fotos divulgação
2 Comentários
Zedu Lima
agosto 29, 2023 @ 12:33
Torço sempre para que alguém resgaste a lembrança dod cinemas de rua dr Sampa, antes só restem os escondidos nos shopping.
Recentemente, com o apoio dos Satyrus, que estão segurando a existência do cine Bijju, na Pça. Roosevelt, a editora Giostri lançou um livro contando a história do referido cinema
Maurício Mellone
agosto 29, 2023 @ 14:11
Zedu:
O Cine Bijou, da velha Pr Rossevelt, resistiu mais tempo por ter sido
cineclube.
Outros do centrão viraram salas de cine pornô durante um tempo e hj
desapareceram. O fato registrado no filme do Kleber é do Recife,
mas idêntico a de outras capitais brasileiras e cidades pelo mundo!
O dinheiro escolhe outro local e o centro fica abandonado!
Bela reflexão proposta pelo cineasta recifense.
Saudades dos nossos papos e de nossas risadas!
bjs