De Maurício Mellone em maio 13, 2015
Eduardo Coutinho não conseguiu finalizar seu derradeiro documentário, daí o título — Últimas Conversas — escolhido pelo diretor João Moreira Salles e pela montadora Jordana Berg, que concluíram o filme para o mestre. (Coutinho já havia feito todas as entrevistas quando foi assassinado pelo próprio filho, em fevereiro de 2014). Talvez até por isso que os discípulos resolveram iniciar o documentário com a fala de Coutinho analisando e criticando o próprio trabalho. Impressiona o caráter premonitório desta fala, já que o diretor em determinado momento diz que se ele parar de filmar tudo se acaba.
Assim como os documentários anteriores — Edifício Master, Jogo de Cena e As Canções), Eduardo Coutinho dá voz às pessoas comuns, geralmente de classes sociais menos favorecidas; em Últimas Conversas não é diferente: desta vez são jovens de 16 a 18 anos, da periferia carioca, estudantes de escolas públicas.
Com pequenas interferências durante as entrevistas, Eduardo Coutinho deixa com que os alunos se expressem livremente; e eles discorrem sobre a infância, os problemas enfrentados na escola, como bullying e falta de adaptação ao sistema de ensino, a relação que têm com os familiares (às vezes com muita dor e sofrimento), sobre religião, cotas raciais para ingressar no ensino universitário, preferência musical e seus planos e sonhos na vida. Muitos deles dizem que gostam de escrever e, para alguns, o diretor pede que leiam o que já produziram — surpreende pelo caráter confessional e de extrema profundidade de alguns dos escritos lidos pelos jovens.
Nunca iremos saber qual o formato e de que maneira Coutinho iria dar para o material coletado, já que em seu depoimento autocrítico no início do filme confessa estar desmotivado, porque os jovens geralmente são donos da verdade e se mostram seguros e até prepotentes. Ele chega a questionar a proposta deste trabalho, a duvidar da memória que os jovens poderiam relatar. Tanto que expressa a vontade de ter entrevistado crianças, que são mais honestas e diretas ao falar. E neste ponto ninguém consegue discordar do cineasta, que entrevistou uma garotinha, que rouba a cena — além de graciosa e meiga, a menina é de uma simplicidade e ao mesmo tempo espontaneidade que emociona a todos. Nada melhor para encerrar o filme e deixar o público com mais saudade e dor por não termos mais a chance de ter contato com um trabalho tão criativo, sensível e enriquecedor como o do brilhante documentarista Eduardo Coutinho.
Fotos: divulgação
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