De Maurício Mellone em março 20, 2015
Promessa é dívida: depois de publicar seus contos com exclusividade aqui no Favo, o jornalista e escritor Mario Garrone disse que este, A Inocência da culpa, é o que vai se juntar aos demais e completar o livro que pretende publicar o quanto antes.
A trama deste conto gira em torno de uma pequena família — doutor Arrudinha da Costa, sua esposa Rosita e o filho Lauro —, mais precisamente sobre a difícil e tumultuada relação entre pai e filho, que nunca se deram bem, e Rosita que tenta por toda a lei conciliar o que a vida tornou inconciliável! O que me chama a atenção neste conto é a maneira como o autor apresenta o narrador: na maioria das vezes de forma onisciente, mas em algumas e fundamentais passagens o narrador assume a primeira pessoa e relata ao leitor a ação como se estivesse presente, fosse um observador cúmplice da cena.
Mario, meu amigo, só tenho a agradecer pela confiança de mostrar ao público, de forma exclusiva aqui no blog, sua obra, tão criativa e que envolve o leitor desde as primeiras linhas. Fico agora na torcida para que o livro saia o mais rápido possível e, assim, possa atingir um número ainda maior de leitores!
Boa sorte e até o lançamento do livro!
A INOCÊNCIA DA CULPA
Não se davam. Nunca se deram. Ou se se deram foi no começo, quando um era criança, quando é mais fácil se dar, quando se dar não custa tanto, não exige o mesmo esforço mental mútuo, quando o filho ainda mal fala e não anda e só mama e chora, ainda que não chore muito, porque choro em demasia irrita e convulsiona a casa, deixando o pai ou a mãe a ponto de lamentar a vinda da criança ao mundo.
Doutor Arrudinha da Costa poderia viver sem filho. Filho não lhe faria falta nenhuma. É falsa a ideia reinante de que todos querem ser como todos, de que toda mulher quer parir e dar leite. Embora Rosita quisesse e muito. E por querer dar à luz, fez o que pôde para convencer o marido de que, caso não seguissem a corrente, se arrependeriam quando fosse tarde, quando mais nada pudesse ser feito e eles viessem a sentir que fora um erro tremendo, um equívoco medonho ter dado cabo da descendência.
Rosita cismou, insistiu, choramingou e doutor Arrudinha da Costa cedeu aos instintos maternos da mulher, embora a contragosto, já que antes do casamento, o casal na faixa dos trinta e tantos, ficara muito bem claro a ela o desinteresse dele por crianças. Cedeu sim, mas frisou: Um… Um vá lá, eu consinto, aceito! Mais que um, em absoluto, atropela!
Ter sido uma vontade solitária de Rosita, talvez justifique, seja uma maneira de explicar a incompatibilidade havida entre pai e filho, a impaciência de doutor Arrudinha da Costa tanto com os atos estabanados do menino hiperativo quanto com as ideias insolentes e provocativas do jovem rebelde sem causa (ainda que, não tão raro assim, existam também homens e mulheres que, mesmo ansiando ter uma família completa, depois de povoarem a casa de crianças se arrependem e agem como se tivessem sido obrigados a fazer o que a maioria faz e se ressentem do tempo que os filhos lhes roubam, das horas preciosas em que poderiam estar fazendo outras coisas mais prazerosas, jogadas fora com manhas, malcriações e bagunças, dos gastos com estudo, roupas, comidas, brinquedos, das inúmeras obrigações que são esperadas e exigidas de quem decidiu pôr mais gente no mundo).
Lauro não gostava do pai. Ou se gostava, não o suficiente, o tanto que a gente visse e não restasse dúvida do amor que houvesse. O que se percebia era distância, dissidência, antagonismo, repúdio, inimizade, empatia quase zero, amor verdadeiro nenhum, antipatia, raiva, ressentimento talvez por um pai que não abraça nem beija e se um dia abraçou nem ficou na lembrança remota do filho.
Se o pai ama e não demonstra ou se se contém para que se crie a devida distância, para que não se perca o respeito, para que se mantenham a hierarquia e a formalidade sem as quais poderia vir a se formar um filho que não tem noção dos espaços delimitados e reservados a cada um, é natural que não exista simpatia do filho pelo pai, é previsível que o filho até odeie o homem de quem ele veio. Isso, caso o pai ame, caso sinta algum amor que não se mostra nem se evidencia, caso não seja tudo apenas demonstração inconteste da ausência do querer bem ao filho.
Rosita amava o marido e nunca demonstrou a nenhum de nós sofrer por aquilo de ruim a respeito do qual todos sabiam, o que não se podia deixar de saber tamanha a evidência (ora distante e frio, ora implacável com Lauro, doutor Arrudinha da Costa sempre parecia totalmente avesso aos interesses do filho).
Lauro era bonito. E se parecia demais com o tio Edeodoro. Mais bonito que o tio, sim, mais bonito, mas ainda assim parecidíssimo com o irmão mais velho de Rosita, o cunhado galã instável e golpista de quem doutor Arrudinha da Costa nunca fora com a cara, o cunhado de quem tinha ojeriza e de quem procurava manter-se afastado (só o via, a muito custo, em inevitáveis encontros familiares, e nada tinham a se dizer um ao outro. Vê-lo talvez tenha se tornado mais insuportável na medida em que constatava a absurda semelhança do filho, cada dia maior, cada vez mais evidente, com o tio trapaceiro e folgazão, o último homem de quem Lauro poderia ter herdado os traços harmoniosos e finos).
Amar o filho que nunca se quis ter e que, vindo ao mundo, a cada manhã se revela mais parecido com o cunhado fracassado, talvez custe muito ao pai, exija demais da pessoa. Talvez essa questão fisionômica esclareça a falta absoluta de sintonia e consonância. Embora ao filho nada, nem a semelhança exagerada com o tio falsário e indesejável, justifique os atos insensatos do pai, a severidade na criação, os hábitos frios e duros, a implacabilíssima marcação e rigidez na educação, o excesso de exigência no desempenho escolar — como se não se pudesse permitir que o filho, mais que o rosto, herdasse o caráter transgressor e os descaminhos tormentosos do tio contraventor que nunca fora preso (por sorte havia Rosita na casa e seus modos amorosos e doces com Lauro, sem os quais o menino e o rapaz se veriam condenados a percorrer sozinhos caminhos ainda mais pedregosos).
Rosita amava demais o filho e certamente doía-lhe a constatação do descompasso, da pouquíssima afinidade, da camaradagem nenhuma observada entre Lauro e o marido (nunca comigo ela comentou e ninguém, que se tenha vindo a saber, nunca disse nada ao casal a respeito da semelhança escarrada de Lauro com o tio. De minha parte, nenhuma palavra me saiu da boca por convicção de que tal não convinha, de que a similaridade dos rostos desagradava e ofendia muito o doutor Arrudinha da Costa). A semelhança, contudo, estava lá para quem quisesse ver e o problema familiar havia, reconhecesse Rosita ou não, e omitir a coisa não a faria deixar de existir (um dia só, talvez de desassombro maior, de desespero incomum e de solidão desmedida, e somente nesse dia, que se tenha alguma ciência, ela não se conteve e chorou diante da madre Celestina, sua irmã religiosa mais velha, e, pedindo segredo de Estado (não levado a termo pela madre), corou ao dizer que doutor Arrudinha da Costa, num momento de quase irracionalidade, lhe ousara dizer, sim, ousara, que, dada tal acintosa, inadmissível e obscena semelhança, só mesmo o tio sendo o pai, o verdadeiro pai incestuoso do filho que não podia ser dele. Rosita desabafou com Celestina e, mesmo tendo dito que o marido em seguida lhe pedira perdão pelo excesso e pelo pecado de imaginar e dizer a ela coisa tão abjeta e nojenta, garantiu que dificilmente poderia continuar a amá-lo como antes a partir de então, ao que a madre irmã lhe recomendara que tentasse de tudo para unir a família, nada menos que tudo, entendeu?, o perdoasse e fizesse ressuscitar em si o amor, caso, mais que moribundo, ele já tivesse morrido.
Talvez Rosita tenha até mesmo um dia se arrependido de ter se tornado mãe, de ter imposto sua vontade materna. Sim, provavelmente em algum momento ela deve ter desejado o dom impossível de desfazer o que fora feito, já que o preço por ter posto um filho querido no mundo era haver um pai que não ama, que, implacável, só exige e cobra.
Se voltou a amar, como aconselhou a madre, se gostar foi o maior sentimento a que lhe foi possível chegar ou se continuou casada sem gostar nem um pouco daquilo, talvez nem Rosita saiba ao certo. Certo mesmo é que, anos atrás, desfizera-se aliviada da sociedade numa loja e não queria voltar a trabalhar de forma alguma onde quer que fosse sob nenhuma condição e a separação poderia obrigá-la a ter de encarar novamente o batente (não obstante a altíssima renda do marido criminalista de ponta, o risco sempre haveria de ele, homem influente e conhecedor dos canais competentes, agir de forma a prejudicá-la financeiramente). Pode também Rosita, por outro lado, e isso sim é mais provável, ter se resignado ao casamento falido por ter reconhecido em si a culpa de insistir, sua responsabilidade única de querer a todo custo o contrário do que havia sido combinado entre o casal antes de eles terem ido viver juntos. Como poderia ela exigir o amor que doutor Arrudinha da Costa não tinha, e não se dispunha a ter, e censurá-lo por sua pouca disposição de acolher o filho com o qual só ela sonhara e de quem ele preferiria nunca ter visto o rosto?
O que interessava a doutor Arrudinha da Costa acima de tudo era seu ofício, sua figura pública, profissional, sua proeminência jurídica, seus embates no mundo do direito, suas vitoriosas batalhas, suas defesas ardilosas, seu talento para persuadir, convencer, influenciar, quiçá, ludibriar, tergiversar, enganar, transformar um crime evidente num embuste, numa farsa, numa trama perpetrada com má-fé para responsabilizar seres inocentes. Quanto mais difícil se revelava a causa, quanto mais improvável e remota a possibilidade de ganho, quanto mais eram necessários proficiência, inteligência, preparo, verve teatral, domínio do verbo, perspicácia e talento para agir de forma a que se viesse a fomentar a dúvida e alastrar a crença na inocência daquele que todos viam como culpado, mais excitante, provocador e estimulante lhe era o trabalho criminal de induzir e, consequentemente, absolver (isso ele mesmo disse, não sou que falo!). Para tanto cobrava. Caríssimo! Não à toa era dos mais procurados do mercado pelos ricos enrolados com a Justiça. Não à toa esteve à frente de inúmeros processos envolvendo banqueiros, políticos ilustres de primeiro e segundo escalão, executivos de grandes corporações, médicos conceituados acusados de assédio, abuso e estupro de mulheres e de homens, engenheiros topo de linha, endinheirados e afortunados em geral, partícipes graúdos de quadrilhas, a fina flor do achaque e da pilhagem, da evasão de divisas, a elite financeira tupiniquim acima de qualquer suspeita.
Lauro se irritava amiúde com o pai. Incomodava-o a rédea curta de doutor Arrudinha da Costa em relação a seus hábitos de moço, os horários rígidos, estapafúrdios para voltar para casa vindo das baladas, a exigência desmedida, a ausência de demonstração de apreço, de algum sinal de que houvesse amor, sentimento paterno. O que havia era só a distância que nunca diminuía entre os dois. Parecer-se com o tio, e não com a mãe, era certamente outro dado da realidade que o intranquilizava e o deixava infeliz (perguntado certa vez, sobre sua óbvia semelhança com o irmão da mãe – detectada por qualquer um que os visse e tivesse olhos sãos –, não deu margem para que a conversa seguisse: Não me pareço com ninguém! Com ninguém senão comigo!).
Falar mal de delinquente rico defendido publicamente pelo pai tornou-se um hábito perigosíssimo de Lauro aos dezessete anos. Na frente dos outros, sem citar o pai defensor do bandido abastado (como se fosse necessário citá-lo), criticava o réu contraventor de quem todos sabiam do caso pelos noticiários, mais um componente da elite do dinheiro a pagar substanciosos honorários a doutor Arrudinha da Costa para que esse continuasse a ter a vida de altíssimo padrão que tinha (tinha-a também Lauro, com suas boas roupas, suas viagens internacionais, seus equipamentos eletrônicos sofisticados, seus hábitos alimentares requintados, seus privilégios, um chofer para levá-lo e trazê-lo do colégio e de seus encontros com amigos. E se estar à mercê de um motorista lhe tirava a liberdade e o insatisfazia, seria impensável, é claro, a opção remota de trocar o privilégio desagradável e cerceador pelo transporte público abarrotado de São Paulo). O pai proibia que ele bebesse, mas bebia. E muitas vezes demais, voltando para casa mal se sustentando nas pernas (o que, pelo que se sabe de fonte limpíssima, acarretava embates virulentos, aumentando assim ainda mais a cratera a separar um ser do outro).
Tanta exigência do pai consigo, tanta marcação intransigente e tanto questionamento em relação às amizades que fazia, a insistência com a correção e os princípios morais não se coadunavam (segundo achava lá o moço) com as posições que doutor Arrudinha da Costa tomava profissionalmente, invariavelmente a defender com autoridade e convicção fraudador e ladrão de casaca, contraventor de fina estampa, achacador de paletó e gravata, bandido arrombador vindo de bons colégios e boas faculdades e com pós e doutorado em Harvard. A atuação pública do pai a favor de cidadãos bem-sucedidos na sociedade contra os quais pesavam acusações enormes e cabeludas causava desconforto e vergonha em Lauro. De nada valia Rosita dizer ao filho que era papel do pai defender quem lhe pagasse bem, que era birra burra questionar a atividade que o pai exercia com brilho e competência únicos, embora também a ela lhe descesse mal, às vezes, aquilo de o marido justificar (ou tentar desconstruir) atos infames praticados por clientes.
Um caso emblemático foi a recente defesa do empresário ruivo de nariz adunco e barriga proeminente. O tal acusado de mais de mil e uma tretas, tráfico de cocaína incluso. O assunto dos jornais e das revistas, das rádios e das televisões não era outro senão o frequentador contumaz de colunas sociais tido e havido como exemplo de empreendedorismo agressivo e predador, homem de visão à frente do seu tempo, modelo de competitividade audaz e moderna. Um complô hediondo, uma armação ignóbil, uma trama asquerosa, uma farsa montada a serviço da ralé! Assim reagiu o empresário a todas as denúncias fundamentadas. Quase assim, com palavras outras, manifestou-se doutor Arrudinha da Costa em defesa do mais novo cliente atolado no esgoto.
Justamente na ocasião desse caso notório, Lauro deu de questionar mais acintosamente o pai, fazer ironias diante das visitas, soltar considerações reprobatórias, demonstrar de forma inconveniente e desrespeitosa suas posições críticas demolidoras. Vários de nós foram testemunhas, num momento ou noutro, do mal-estar, da coisa muitíssimo mal parada na sala, das cenas constrangedoras provocadas pelo rapaz (nesses instantes delicados, Rosita interpunha-se com tato entre os dois tentando evitar consequências piores).
Não obstante todos os esforços consideráveis de Rosita, resultaram vãos os seus apelos para que Lauro não julgasse o papel social do pai, sua função reconhecida de mover céus e terras para convencer a Justiça de que o crime praticado não havia sido cometido nunca.
— Vai, vai lá defender bandidão que te paga os tubos! Vai lá arrancar a grana de executivo e político safado gatuno, arrombador dos cofres (Lauro)!
— Vê lá como fala comigo, imbecil! Te parto a cara, moleque de merda, te parto, está ouvindo (doutor Arrudinha da Costa)?
— Laurinho de Deus, o que é isso? Você devia ter orgulho, isso sim, orgulho, andar de nariz em pé no colégio (Rosita).
— Você não fala assim comigo, pirralho insolente (doutor Arrudinha da Costa)!
— Um profissional respeitabilíssimo, dos grandes, dos maiores do Brasil! Seu pai é uma referência nacional, um baluarte da Justiça, quem é que não sabe (Rosita)?
— Te parto ao meio, ordinário (dirigindo-se ameaçadoramente a Lauro)! Para cima de mim, eu não admito que frangote mimado nenhum, compreendeu (doutor Arrudinha da Costa)?
— Respeite o direito penal, Lauro, a jurisprudência, as normas legais (Rosita)!
— Cago para o direito penal, cago (Lauro sai batendo a porta da rua, havendo uma pessoa além dos três, uma testemunha ocular – que não convém dar o nome — em silêncio na sala, perplexa, a ver, a ouvir boquiaberta e incrédula a cena, pessoa essa sem a qual não teríamos como saber do ocorrido, que talvez explique tudo o que viria a acontecer dias depois, ou talvez não explique coisíssima nenhuma, uma vez que provas concretas não existem, especula-se, apenas especula-se, questiona-se, indaga-se, supõe-se, fazem-se ilações, vêem-se indícios, a imaginação humana voa, se expande e, via de regra, se equivoca.
A violência nas metrópoles e nas médias e pequenas cidades, afinal, está aí para quem quiser ver. Sai-se de casa e não se sabe se volta. Segurança não há pelas ruas, o homem é inimigo do homem, não há compaixão, cumplicidade, o ser desconhecido a teu lado talvez te roube e te mate por pouco, por muitíssimo pouco. Morre-se por tiro endereçado a outro. Balas perdidas voam por toda parte matando gente inocente, destruindo famílias, deixando filhos pequenos sem pais. Morre-se sem saber por que o tiro veio justamente a lhe acertar em cheio a cara, o coração e o pescoço no momento em que se fazia sinal para um ônibus, em que se atravessava de um lado para outro da rua, em que se caminhava na calçada em direção a nada.
Fala-se em droga pesada, cocaína, crack, heroína, ecstasy. Fala-se em dívida com o tráfico de entorpecente, em surra dada pelos bandidos pelo dinheiro não pago da maconha (como é de praxe), embora não se tenha sabido nunca (e sabemos por acaso tudo?) que Lauro fizesse uso de cannabis sativa e de substância química ilegal para ter euforia na vida, para achar graça nas coisas do mundo e ver algum sentido em acordar cedo e ir todo dia com sono ao colégio e continuar a ser o indivíduo que era. Fala-se demais e, por falar demais, normalmente erra-se.
Se até quando há prova escarrada e cabal do crime, qualquer suposta verdade que se diga em contrário confunde, embaraça, põe areia no caldo, que dirá quando não há pista nenhuma, quando o serviço foi feito na moita (ou assim parece que foi) e ninguém viu ou fez questão de não ver no que deu toda merda?
Rosita agora chora inconformada e acusa, só acusa, peremptória diz que sabe tintim por tintim (embora dados concretos não haja!).
Doutor Arrudinha da Costa, nervosíssimo com a coisa toda, revolta-se com o grau de patifaria praticado hoje em dia no mundo, o excesso de brutalidade, o descontrole emocional e a selvageria assassina dos delinquentes sem noção (que podem ter ido muito além do combinado), a proliferação avassaladora da barbárie. Mas rebate Rosita com fúria, não admite, confronta, desafia, contesta, encara e não se submete às acusações histéricas vazias e infundadas.
Para a mãe, Lauro é vítima indefesa do pai. Do pai rancoroso e cruel, vaidoso ao extremo, centrado em si mesmo, incapaz de amar, de dar o carinho que um filho pede e merece, único mentor intelectual indiscutível dos três brutamontes (dois brancos e um negro) que sequestraram o moço e lhe fizeram o diabo num beco imundo e fedido (os tarados partiram para cima e estupraram – não se sabe se todos, se os brancos, se o negro).
Muito pior do que os inúmeros hematomas no corpo, as dores nas juntas, o grande desconforto anal, o stress pós-traumático, o horror em si do ato cometido, o quase certo pânico com que terá de conviver daqui em diante com o amanhã (sem contar com o hoje), muito pior do que os dois dentes da frente e um dedo mindinho quebrados, pior do que tudo foi o que aconteceu com o olho esquerdo que já não mais vê nem sombra, o olho perdido na sova dada pelos três brucutus (um negro e dois brancos), a visão parcial de um olho com a qual Lauro verá o mundo, um único e solitário olho direito a poder ver, sem mais a total nitidez, as coisas sujas, imundas, vis, sórdidas, mesquinhas e belas da vida.
Fotos: imagens Google
4 Comentários
Marcelo Brettas
março 27, 2015 @ 09:40
Grande Maurício, que enorme prazer foi ler cada um dos contos do Garrone aqui publicados. Você em diversas ocasiões se utilizou da palavra “instigante” ao falar da obra do autor e nada é mais apropriado. Desde o momento em que conheci o Mário (e lá se vão mais de 35 anos), fui marcado pela sua figura intrigante e seu texto instigante. Desejo todo sucesso ao livro e, certamente, nos veremos na fila de autógrafos!
Maurício Mellone
março 27, 2015 @ 09:48
Brettas,
que delícia receber sua visita, ainda mais
pra comentar da obra do nosso amigo Mario!
Vc disse tudo, a escrita dele é envolvente
e prende o leitor desde a primeira linha!
Torcida para que a edição do livro seja rápida
e possamos brindar com ele o lançamento brevemente!
bjs
Mario Garrone
março 21, 2015 @ 22:04
Olá, Maurício. Como já te disse, ter tido este espaço aqui no Favo me estimulou a escrever, escrever… Quando você me convidou para participar do seu blog, eu não imaginava que completaria um livro com esses contos todos. Agradeço o espaço. Daqui para a frente é procurar editora e ver se alguma se interessa… Tenho vários diálogos curtos que talvez eu inclua no livro e envie para você mais adiante. Mais uma vez, obrigado.
Mario
Maurício Mellone
março 23, 2015 @ 11:02
Mario,
Fico muito contente em ter incentivado vc a “escrever, escrever”!
Os leitores aqui do Favo são privilegiados por serem os primeiros
leitores de sua obra.
Reforço o que já te disse: a torcida é total para que em breve
o livro esteja nas livrarias para todo o público ter acesso às instigantes
e envolventes histórias criadas por vc.
Envie os diálogos, contos, novelas tudo o que vc quiser: tenho a maior honra
em poder ajudar na divulgação de seu trabalho criativo!
bjs