De Maurício Mellone em março 24, 2015
Sucesso nos Estados Unidos e já apresentada em diversos países — ganhou inclusive versão cinematográfica com roteiro do autor —, a peça Consertando Frank do dramaturgo Ken Hanes é encenada pela primeira vez no Brasil e cumpre temporada no MuBe Nova Cultural até final de abril. A trama, traduzida pelo diretor Marco Antônio Pâmio, lida com uma questão de grande controvérsia, a conversão da homossexualidade.
Persuadido pelo namorado e psicólogo Jonathan Baldwin, vivido por Rubens Caribé, o jornalista Frank Johnston, interpretado por Chico Carvalho, se apresenta como paciente para o psicoterapeuta Arthur Apsey (Henrique Schafer), que criou um método de cura gay, com o objetivo de fazer uma reportagem denunciando os métodos de conversão da sexualidade humana. Carente e suscetível à manipulação, Frank sofre nas mãos dos dois psicólogos durante seu trabalho de investigação e a vida dos três passa por grandes transformações.
Num cenário único, assinado por Chris e Nilton Aizner, em que dois ambientes coabitam (o consultório e o apartamento do casal), Frank conduz a trama, na medida em que primeiramente aparece como paciente frágil e debilitado diante do psicólogo seguro e persuasivo e, logo em seguida, compartilha da sessão de terapia com o namorado, que de maneira afetuosa o incentiva a continuar a investigação. No entanto, o espectador logo percebe que Frank é duplamente manipulado pelos psicólogos, que lutam ferozmente por seus preceitos. De um lado Apsey, com seu poder de persuasão, usa de conceitos caros à Humanidade, como verdade e liberdade, para induzir Frank a se submeter a seu método retrógrado e desumano de conversão da homossexualidade. Do outro lado, Baldwin, por meio de sua relação afetiva, procura convencer o namorado a denunciar a prática de seu opositor, que como muitos já tentaram interferir na sexualidade humana, com práticas violentas como eletrochoque, castração e cirurgia cerebral. Sentindo-se como joguete nas mãos dos psicólogos, Frank se revolta e sua reportagem afeta e interfere decisivamente na vida dos três.
O diretor, que acaba de receber o prêmio APCA/15 de melhor direção por Assim é (se lhe parece), de Pirandello, acredita que além da dicotomia entre as teorias psicológicas, o texto de Hanes aprofunda a discussão:
“Além desta questão bipolar, a peça é sobre manipulação. Nós seres humanos, tantas vezes frágeis, carentes de afeto e inseguros, somos seres manipuláveis. É o que acontece com Frank, que se entrega aos dois manipuladores, deixando-se levar pela falta de ética tanto nas relações profissionais quanto nas pessoais. Eis aí outro tema caro ao autor nesta peça, a falta de ética”, argumenta Marco Antônio Pâmio.
Com um texto primoroso que aprofunda a discussão, já que traz várias visões sobre a conversão da sexualidade (discursos antagônicos defendidos com convicção), Consertando Frank se destaca ainda pela direção sensível e minuciosa — impressionante como o olhar dos atores e o posicionamento do rosto deles propicia a mudança de cena e, principalmente, do tom emocional dos personagens. A interpretação e a sintonia em cena dos três premiadíssimos atores — Caribé acaba de receber o Shell por sua atuação Assim é (se lhe parece), Chico também faturou o mesmo prêmio em 2013 por Ricardo III e Henrique foi indicado a vários prêmios por atuar em O Porco, em 2005 — deixam o espetáculo ainda mais coeso e impactante. A iluminação de Fran Barros, que pontua o ritmo das cenas, também merece destaque.
Com uma discussão visceral e o embate de titãs no palco, Consertando Frank é sem dúvida um dos grandes espetáculos em cartaz na cidade. Imperdível!
Fotos: Heloísa Bortz
8 Comentários
Ed Paiva
março 24, 2015 @ 20:12
Consertando Frank é um belo exemplo de reunião de talentos excepcionais que permite à plateia um espetáculo memorável e de intensa reflexao. As interpretações são milimétricas, precisas, certeiras! Pretendo rever!
Parabéns, Maurício, pela resenha!
Maurício Mellone
março 25, 2015 @ 11:39
Ed,
obrigado pela força e incentivo (sempre!)
Concordo com vc, o espetáculo propõe muita reflexão,
já q os argumentos são muito bem defendidos pelos dois
psicólogos. O texto do Ken Hanes e a tradução do Pâmio são primorosos!
bjs
sergio
março 24, 2015 @ 16:12
Bem legal Mau.
Maurício Mellone
março 25, 2015 @ 11:40
Bruno,
que bom q vc gostou da resenha.
Se puder, vá conferir no MuBe.
bjs e obrigado pela visita!
Fábio Mráz
março 24, 2015 @ 15:27
Ótimo como sempre, Mauricio!
Maurício Mellone
março 25, 2015 @ 11:42
Fábio,
fico feliz q vc tenha gostado da resenha,
ainda mais q discutimos muito o teor do espetáculo
juntos ao sair da sala do MuBe.
Obrigado pelo incentivo
bjs
Kiko Rieser
março 24, 2015 @ 13:05
Muito bacana o texto, Mauricio. Obrigado, mais uma vez. =)
Maurício Mellone
março 24, 2015 @ 14:29
Kiko,
que honra receber sua visita e seu comentário aqui.
Parabéns por sua colaboração na direção do Pâmio
e por seu empenho na produção de um espetáculo tão
importante e enriquecedor para a discussão da polêmica
cura gay (argh, até hoje em pleno século XXI, ainda há
este tipo de tentativa desumana e aviltante às pessoas!)
Bjs e parabéns!