De Maurício Mellone em março 18, 2016
Num momento de tantas turbulências na vida política do país, nada melhor do que uma boa ironia para ajudar a reflexão sobre os bastidores do poder. E Dona Bete, peça inédita que o saudoso Fazi Arap escreveu em 2007, cai como uma luva para analisarmos o Brasil de hoje.
O espetáculo, que acaba de estrear no Teatro Eva Herz, reproduz uma entrevista coletiva em que a secretária Dona Bete, papel de Elias Andreato, chega com o advogado, vivido por Nilton Bicudo, para esclarecer o assassinato de um traficante em que um deputado federal está implicado. Como o político não aparece, os jornalistas começam a questionar a secretária dele, que sem papas na língua vai dando pistas sobre o crime.
Com direção assinada em parceria por André Acioli e Elias Andreato, a peça tem início com os dois atores no palco em fase final de preparação para entrar em cena; com as cortinas semiabertas e quase na penumbra eles terminam a maquiagem e dão os últimos retoques no figurino, enquanto em off Elias interpreta belo texto do autor da peça sobre a carreira e a missão do ator.
Eles deixam o palco e voltam em seguida pela plateia, já na pele da secretária e do advogado Olavo. Os espectadores passam a representar os jornalistas convidados para a entrevista coletiva com o deputado federal, que está atrasado. Dona Bete e o advogado sobem ao palco e ela não consegue ficar calada diante das perguntas, muitas delas incisivas e provocativas, mesmo com o empenho do advogado em poupar seu cliente e conter a secretária.
Aos poucos, Dona Bete vai respondendo aos jornalistas e a verdade sobre o assassinato do traficante vem à tona, assim como seu envolvimento emocional com o chefe e todas as ações torpes e escusas dos bastidores do poder.
Parece que a peça acaba de ser escrita: ao invés de tentativas para encobrir desvios de propinas e prejudicar o trabalho da Justiça — o que os noticiários atuais não cansam de divulgar—, a trama revela como políticos agem nos bastidores para livrar a própria pele de crimes e maracutaias.
O bom da montagem é que a ironia e o sarcasmo são a tônica do espetáculo. E tudo graças à hilária e perfeita composição do personagem de Elias Andreato, que dá vida a uma secretária que cada um de nós já cruzou nesta vida! E a sintonia em cena de Elias e Nilton é outro fator determinante para o êxito da peça: além de amigos e terem trabalhado juntos algumas vezes, já encenaram dois textos de Fauzi Arap.
“Peguei minha indignação e impotência diante de tanto descaso e resolvi usar minha arma preferida: a ironia. Quero rir de mim e de todos para tornar a vida mais leve diante de tantas tragédias”, diz Elias Andreato, que está comemorando 45 anos de carreira.
Outro destaque da peça é a trilha sonora: as músicas de Tom Zé pontuam toda a trama e se encaixam perfeitamente tanto para as ações da peça como, principalmente, satirizar a realidade brasileira. Imperdível!
Fotos: João Caldas
4 Comentários
Ed Paiva
março 19, 2016 @ 15:43
Maurício,
Elias Andreato e Nilton Bicudo fazem uma parceria hilária e perfeita no palco. Um espetáculo irônico e profundamente atual. Parabéns pela resenha que nos estimula a rever a montagem.
Maurício Mellone
março 21, 2016 @ 12:19
Ed,
que delícia receber seu comentário, sempre enriquecedor!
Obrigado
bjs
Fábio Mráz
março 18, 2016 @ 18:15
Genial, Mau!
Maurício Mellone
março 19, 2016 @ 11:33
Fábio,
que ótimo q vc gostou!
Obrigado pela visita e o incentivo!
bjs