E a gente sonhando com Milton Nascimento

De em maio 24, 2011

Dentro das comemorações do primeiro aniversário do Favo do Mellone, uma das novidades será a participação mais do que especial de amigos. Com a intenção de ampliar os horizontes e dar mais vozes ao blog, jornalistas, artistas, professores e profissionais das diversas áreas culturais serão convidados a participar com artigos, resenhas ou críticas.
E para abrir essa nova categoria do blog, tenho a honra de trazer o padrinho do blog, o jornalista Zedu Lima. Além de ter uma memória prodigiosa e precisa, Zedu é homem das artes dramáticas e um expert em música. O tema de seu primeiro artigo não poderia ser outro, a não ser sua visão emocionada sobre o novo trabalho de Milton Nascimento. Espero que gostem da novidade: aguardamos (eu e o Zedu) os comentários opinativos de todos!

O velho, bom e sempre novo Milton Nascimento

Zedu Lima

Depois de uma profícua e brilhante carreira, alguns artistas se acomodam. Há aqueles que amparam esse comodismo na conveniente muleta da idade. Não deixam de ser destaque ou referência, pois seu comprovado talento é testemunha eterna de sua capacidade criativa, mas ficam meio refratários ou mesmo preguiçosos a criar ou alçar novos vôos com a mesma regularidade de outrora. Felizmente, isso não tem acontecido com o velho e bom Milton Nascimento.
Nem é preciso lembrar aqui o seu significado para a música popular brasileira, onde riscou com faca amolada pelo talento um repertório que arrebanhou fiéis de fé cega em suas canções. Reconhecido nacional e internacionalmente, Milton Nascimento continua desbravando novos horizontes. Em 2008 ele emprestou sua voz num dueto com a cantora escocesa Annie Lennox na música Mistérios, para o cd “Rio”, do trompetista alemão Till Bronner, mais um ‘gringo’ apaixonado pela nossa música. No ano seguinte participou do projeto dos irmãos Belmondo, músicos eruditos franceses, num disco só com suas músicas, acompanhado pelo coral da Orquestra Nacional da França.

http://www.youtube.com/watch?v=rbCDxtZEi_c

Mas a prova mais significativa desse desassossego é o seu mais recente cd …E a gente sonhando, que o velho Bituca gravou com jovens músicos de sua cidade natal, Três Pontas, Minas Gerais. Ao saber da existência dessa garotada fazendo música em bares, vendas e fazendas da região, foi atrás deles. Nessa busca, selecionou 25 artistas, entre cantores, instrumentistas e compositores, cuja abrangência musical vai desde o rock até os ritmos regionais. Os destaques ficam para Bruno Cabral, 19, Ismael Tiso Jr., 24 e Paulo Francisco, 27, que não só emprestaram suas vozes, como também suas composições. E Milton Nascimento se sentiu em casa como nos velhos tempos do Clube da Esquina.
Além de músicas de seu repertório, ele interpreta composições dessa rapaziada, como Do samba, do jazz, do menino e do bueiro, de Ismael Tiso Jr. e Miller Sol, que ele canta em dueto com o primeiro. A música que dá titulo ao disco, … E a gente sonhando, em dueto com Ismael Tiso Jr., é uma composição que Milton fez em 1960, inédita até então. Há interpretações brilhantes dele em músicas consagradas por outros intérpretes. É o caso de Resposta ao tempo, de Cristóvão Bastos e Aldir Blanc, sucesso de Nana Caymmi, e Estrela, Estrela, de Vitor Ramil, que eu considerava definitiva a interpretação à capela de Gal Costa registrada no disco Cantar de 1974. Há ainda uma levada safada da safadíssima música do Lulu Santos, Adivinha o quê?
Mas o mais triste de tudo isso é que não se ouve qualquer registro de …E a gente sonhando em nenhuma rádio ou na TV, onde a mesmice e o baixo nível imperam da manhã à noite, no qual pontua Lady Gaga, com suas extravagâncias vazias e seu pouco talento.