De em julho 6, 2011
Revelação da nova safra de dramaturgos, o carioca Marcelo Pedreira — que além desse monólogo tem outra peça em cartaz na cidade, Clichê com Lúcio Mauro Filho— não poupa o espectador.
Em 45 Minutos, em cartaz no CCSP, sala Jardel Filho, a plateia é provocada pelo personagem, um ator que para se sustentar (mora nos fundos do teatro) é obrigado a entreter o público pelos exatos 45 minutos que dá nome à peça.Num processo de metalinguagem radical (o público que está na sala do teatro passa a representar a plateia passiva que o ator no palco provoca), o personagem, vivido por Caco Ciocler, confessa sua insatisfação em estar em cena. Diz que como forma de pagamento por suas refeições e local para ficar é obrigado a entreter as pessoas. Sem jeito e cabisbaixo, procura meios para preencher o tempo e o que dizer naquele momento, mesmo lembrando que já havia tido ‘falas’ dos maiores autores da dramaturgia mundial. Nessa hora o ator olha diretamente para o foco de luz, mostrando sua maneira de interpretar os grandes clássicos.
Constrangimento instaurado, o autor, nesse monólogo, quebra o rito do teatro. O ator/personagem pede luz na plateia e incita a todos a darem gargalhadas, ele mesmo ri de forma forçada, numa crítica contundente ao fazer teatral. Outra quebra de paradigma acontece na cena em que o ator tira das costas um revólver e displicentemente atira: as luzes se apagam num final simulado, tanto que há aplausos. Mas tudo é recomeçado, com o ator colando a arma na cintura de novo. Nesse monólogo, a relação do público e a obra de arte é questionada e Pedreira propõe uma reflexão sobre o significado do teatro hoje na vida cotidiana.
Sempre brinco e digo que Caco Ciocler tem cara de plástico, pois a cada trabalho aparece com o rosto moldado de forma diferente. Dessa vez não foge à regra: para dar vida a esse personagem, ele vem muito bem caracterizado, com cabelo e barba grandes, revelando o desleixo daquele ator perturbado psicologicamente. Por viver esse ator que evita empatia com o espectador, a composição de Ciocler é ainda mais convincente. Chamou minha atenção as cenas em que o personagem confessa sua angústia. Com que verdade Caco Ciocler diz que sente “náusea do que me repulsa”. Quantas vezes somos obrigados a engolir verdadeiros sapos verdes e temos de nos conformar!
Para concluir, não posso deixar de mencionar o terceiro vértice do triângulo: ao lado de Marcelo Pedreira e Caco Ciocler, 45 Minutos só se sustenta graças a Roberto Alvim, responsável pela precisa direção e impecável iluminação do espetáculo. E no final verdadeiro, outra quebra de expectativa: o público aplaude e Caco Ciocler não volta para os agradecimentos, reafirmando a tese do autor de questionar o rito teatral.
Foto: Guga Melgar
14 Comentários
Juliana Oliveira
julho 10, 2011 @ 01:32
Olá Maurício!
Assisti esta peça também em 6 de julho e adorei a sua resenha. Acabei de escrever sobre ela no meu blog. A peça é mesmo incômoda, mas eu me deixou muito feliz, pois finalmente eu assisti alguma coisa nova, desafiadora, imprevisível e visceralmente teatral.
Não sabia que tinha gente grande fazendo teatro assim. Foi uma grata surpresa. Acho que a peça provoca, mas nao nos joga pra baixo: ao contrário: me disse que eu posso reagir, que podemos quebrar o protocolo.
Fiquei arrependida de nao ter ido embora quando fomos convidados a isso. Fiquei imaginando qual seria o outro texto, caso muitos da platéia tivessem se levantado.
Enfim, eu adorei, quero só elogiar Marcelo, Roberto e Caco pela coragem, você pela resenha, e dizer que justamente em respeito a isso eu não cumpri o papel da platéia e não aplaudi.
Abraço!
Maurício Mellone
julho 11, 2011 @ 12:02
Juliana:
Gostaria tb de estar na plateia se as pessoas levantassem e saíssem…. a reação do ator poderia ser
outra e a peça tomar outro rumo. Quem sabe!
E no final simulado, vc aplaudiu? Duvido, eu não me mexi.
Mas ao final aplaudi e, sinceramente, achava q o Caco voltaria, quebrando também a expectativa….
Obrigado pelos elogios e vou te visitar no seu blog
Ab
Juliana
julho 12, 2011 @ 00:01
Oi Mauricio! Obrigada pela visita no meu blog!
POis é, eu não aplaudi mesmo. Em nenhum momento… eu nao conseguia…
Fantástico!
hahahah
Maurício Mellone
julho 12, 2011 @ 14:20
Juliana:
No final eu aplaudi e logo saí, pois entendi que a proposta da montagem se estendia
até no encerramento (rito do teatro sendo rompido, como digo na resenha).
Bjs
Ed
julho 9, 2011 @ 17:32
Não assisti ao espetáculo, mas como um mero integrante do chamado “público leigo”, experiências tão radicais de envolvimento da plateia assustam-me. Teatro sustenta-se em uma linha muito sensível de emoção e razão, público, atores, direção, técnicos precisam, de alguma forma, tornarem-se cúmplices por algumas horas e seguirem, juntos na condução da história. Envolvimento e transformação. Sei que o novo assusta, mas cabe à plateia, em ultima instância, aceitar entrar no jogo. Aos artistas, escritores, cabe nos mostrar novas formas de sensibilidade, de sentir, de ver o mundo. Assim como Marcelo Pedreira comenta, muitos sentem a impotência diante da mediocridade da vida mas se entregam a essa rotina silenciosa.
Maurício Mellone
julho 11, 2011 @ 11:58
Ed:
Pelos comentários que essa resenha propiciou, inclusive o autor da peça me enviou um recado à plateia paulistana,
constato que o objetivo do Marcelo Pedreira foi alcançado. Ou seja, fazer as pessoas refletirem sobre a relação palco/plateia
no teatro. A peça mexe com o espectador e só por isso cumpre seu papel. Mesmo provocando um desconforto, há reação do público
e envolvimento. Vá assistir: além do texto instigante, a performance do Caco é extraordinária.
Obrigado pela frequência!
bjs
Maurício Mellone
julho 8, 2011 @ 14:53
Maurício,
é muito bom ver esse espetáculo ser discutido em São Paulo, depois de passar 3 meses praticamente ignorado no Rio de Janeiro. Amo esta vocação de São Paulo para a verticalidade e me orgulho de quando, há 6 anos atrás, apresentei por aí Dilúvio em Tempos de Seca (com Wagner Moura e Giulia Gam, com direção do Aderbal Freire Filho), e a Folha de SP me descreveu como “o mais paulista dos autores cariocas”. 45 MINUTOS tem o objetivo de chacoalhar artistas e plateias, e seu escopo não se atém à arte mas à toda sociedade hedonista que nos tornamos, refém de prazeres euforizantes constantes. Quero deixar claro que a peça não apenas critica: ela faz as perguntas (e as provocações) necessárias para que o novo possa surgir! Um novo teatro pressupõe uma nova plateia, e vice-versa. Ao final do espetáculo, o Caco diz que “tudo me importa, nada me é indiferente” e reafirma a vida, a arte e o aqui e o agora. O personagem padece não de falta de vida mas de excesso de vontade de potência reprimida por tanta mediocridade. A arte pressupõe a aceitação da dor, da sombra e do mergulho no desconhecido e ele faz um claro convite ao público nesse sentido, pois “aí sim estaríamos todos mergulhados diante do mesmo abismo. E quem sabe de que novos pensamentos seríamos capazes, senhores? Quem sabe?”. Minha mensagem final aos paulistanos é que amo esta cidade e pretendo, brevemente, fazer minhas malas definitivamente. Bj grande Maurício e obrigado pela sua generosa e inteligente resenha!
Marcelo Pedreira
Maurício Mellone
julho 8, 2011 @ 14:56
Marcelo:
vc não deve ter conseguido enviar seu comentário porque o blog está sendo reestruturado,
terá novo lay out em breve. Como vc me autorizou, publico aqui o seu recado para
o público paulistano.
Muito obrigado pela delicadeza e carinho em me responder.
abr e seja bem-vindo a Sampa!
Maurício
Erika Crudo
julho 6, 2011 @ 21:00
Maurício, depois de 1 semana “digerindo” o espetáculo, posso dizer que gosto muito da ousadia, porém não sei se recomendaria a um público “leigo”, pq acho um espetáculo muito difícil e “intragável”. Entendo absolutamente todos os pontos que ele aborda, mas será que todos os espectadores estão dispostos a deixar colocar o dedo nas suas feridas? O espetáculo não aborda somente o TEATRO (e seu declínio), ele aborda também o papel do espectador, e confesso que é duro demais ser provocado o tempo todo. Como atriz entendo o que está acontecendo com o teatro de hoje. Para mim fica muito claro quando ele atira na própria cabeça e após o black-out aparece bem grande TEATRO! É a morte do teatro! É o rir pelo rir, sem conteúdo. É a platéia passiva a tudo. Uma platéia (e não somente de teatro, mas de novelas, de zorra total, programas chulos de auditório e escolinhas do Gugu). Estamos nos tornando uma platéia cada vez mais passiva mesmo. Quando entra o palhaço e coloca um microfone na frente, para mim é o Stand up, que cada vez mais invade os teatros e poucos, raríssimos, tem realmente algo a dizer. É uma crítica aos grandes espetáculos com projeções, cenários e grandiosos figurinos (que muitas vezes são aprovado por uma lei de incentivo a cultura que só aceita por que tem famoso). Enfim, é uma invasão do que dá dinheiro $$$ ! É o comercial pra agradar. Eu concordo com tudo isso, mas não acho que a forma com que ele escolheu falar, seja a melhor. Você dá um “cala a boca” no que é ruim, fazendo algo bom, e o bom não precisa ser chato. A interpretação dele é fantástica e inquestionável, porém o espetáculo cansa. Eu gostei muito de ter visto, pq acho que precisamos ver todo tipo de coisa, mas confesso que preferiria gastar meus 45 minutos pensando em como fazer o teatro voltar a ser o que era antes, e não criticando. A crítica, pela crítica não leva a nada. Como atriz, tenho uma grande preocupação com a platéia e acho sim que ela merece ser tratada com carinho, e isso não impede de oferecer a eles algo que os diverta, os emocione e os faça refletir. É pra se pensar!
Maurício Mellone
julho 7, 2011 @ 10:58
Erika:
Entendo o seu ponto de vista, como atriz, que o teatro é questionado e precisa ser revisto.
Mas q há outras maneiras de se criticar, por exemplo, apresentando um trabalho profundo e
questionador, ao mesmo tempo q emocionando o público.
O Marcelo Pedreira é um autor revelação e já vem uma peça “demolidora”; está no papel dele e nós,
como apreciadores do teatro, precisamos ser questionados também.
O que mais eu gostei foi de sua participação aqui no blog. Muito obrigado, na maoria das vezes
as pessoas não deixam opinião; aqui poderia ser um espaço também de discussão e aprofundamento.
E vc colaborou e muito para isso.
Obrigadão
bjs
Pedro Francisco
julho 6, 2011 @ 20:46
Oi Mauricío,
O teatro hoje diante de tantos excessos, ver na cidade um trabalho destes é um alento, aliás um novo gás para o teatro.
Parabéns pela resenha!!!
Um abraço grande.
Pedro ( amigo do Pedro Cordeiro, lembra-se?) me escreva.
Maurício Mellone
julho 7, 2011 @ 10:59
Pedro, querido:
q delícia receber sua visita aqui, ainda mais com sua visão sobre um espetáculo que questiona e põe a plateia em cheque.
Obrigado pela força e venha sempre me visitar!
bjs
Kleber Lopes
julho 6, 2011 @ 16:54
Gosto muito de monólogos e sua resenha me estimulou a assistir esse do Caco, vou lá conferir. Parabéns pelo blog! Abs, Kleber
Maurício Mellone
julho 6, 2011 @ 17:30
Kleber:
A proposta desse monólogo é provocadora, como vc gosta de monólogo, tenho certeza q vai curtir.
Obrigado pelo elogio e volte sempre, vou adorar!
abr