De em maio 30, 2012
O premiado ator Marco Antônio Pâmio, em entrevista exclusiva a este blog, confessa ter sido “treinado como ator” com Shakespeare, já que sua estreia profissional foi justamente na pele de Romeu, no clássico do dramaturgo britânico dirigido por Antunes Filho, em 1984, quando recebeu o prêmio de ator revelação da APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte). Quase trinta anos depois, ele está de volta ao universo de William Shakespeare, agora no papel de Banquo, melhor amigo e braço direito do Macbeth, na montagem que Gabriel Vilela estreia nesta sexta-feira, dia 1º de junho, no Teatro Vivo, com Marcello Antony no papel-título.
Pâmio, no entanto, sempre esteve próximo do teatro de Shakespeare: fez pós-graduação no Drama Studio London, onde vivenciou como os ingleses trabalham a obra no original, aprofundando o texto e a musicalidade de Shakespeare. Como professor de teatro e diretor, já orientou diversos trabalhos que tinham Shakespeare como centro das discussões. Por isso que não tem dúvida em afirmar:
Quanto mais maduros nos tornamos, mais compreendemos as infinitas camadas que suas obras possuem. Shakespeare continua sendo, sem sombra de dúvida, o maior dramaturgo que este planeta já conheceu”.
Acompanhe a seguir a entrevista exclusiva, em que o ator fala de sua carreira e do processo de criação em Macbeth.
No CPT/SESC dirigido por Antunes Filho, Marco Antônio Pâmio permaneceu quatro anos (1982 a 85): além de Romeu e Julieta, participou de montagens históricas como Macunaíma, de Mário de Andrade e Nelson 2 Rodrigues. Esteve à frente de montagens de grande impacto junto ao público e à crítica, como a adaptação para o teatro do filme de Stanley Kubrick, Laranja Mecânica, dirigida por Olair Coan, ou ainda Pobre Super-Homem, de Brad Fraser, direção de Sérgio Ferrara. Outros trabalhos marcantes de sua extensa carreira teatral seriam Um Número, de Lary Churchill, dirigido por Bete Coelho, Edmond, de David Manet e direção de Ariela Goldman, que lhe rendeu outro prêmio APCA de melhor ator. Em 2009 apresentou o monólogo Mediano de Otávio Martins, que deve voltar a ser encenado no segundo semestre e no ano passado participou da comédia de Ariano Suassuna, O Casamento Suspeitoso. Leia a seguir os pontos principais da entrevista:
Favo do Mellone: Aos 50 anos e quase 30 de carreira profissional, qual importância em participar desta nova produção de William Shakespeare?
Marco Antônio Pâmio: Fiquei muito feliz com o convite do Gabriel Vilela para integrar o elenco d Macbeth, composto exclusivamente por atores homens, tal como as montagens eram realizadas na época de Shakespeare. Eu estava em cartaz com O Casamento Suspeitoso, dirigido pelo Sérgio Ferrara: saí de uma comédia farsesca essencialmente brasileira direto para uma tragédia shakespeariana. Pode haver exercício de versatilidade maior que esse?
Fazer um texto de Shakespeare é sempre uma mistura estimulante de desafio e prazer. E, quanto mais maduros nos tornamos, mais compreendemos as infinitas camadas que suas obras possuem. Ele continua sendo, sem sombra de dúvida, o maior dramaturgo que este planeta já conheceu.
Favo: Como analisa a ligação com o dramaturgo britânico em sua formação profissional?
Pâmio: Uma vez que adentramos a obra de Shakespeare e nos apaixonamos por ela (e não há como não se apaixonar), somos capazes de passar uma vida inteira dedicada a ela e mesmo assim muita coisa ainda poderá não ser acessada, tamanha sua vastidão. No meu caso, arrisco dizer que fui treinado como ator sobre um texto de Shakespeare, já que o Romeu e Julieta embasava todo o método de ator desenvolvido pelo Antunes Filho nos primórdios do CPT. Voltar a estudar a obra dele passou a ser quase uma necessidade. Minha experiência no Drama Studio me fez ter uma perspectiva de como os ingleses trabalham sua obra no original, as questões mais técnicas, ligadas ao verso e à musicalidade da palavra, muitas vezes perdidas num processo de tradução.
Favo: Em 2010 você foi o representante brasileiro no Simpósio Internacional sobre o Teatro de William Shakespeare; como foi este evento?
Pâmio: Todo ano o Globe Theatre de Londres realiza o Globe Education Cultural Seminar, patrocinado pelo ESU (English Speaking Union), em que 30 representantes de 30 países diferentes se reúnem para um grande encontro sobre a obra shakespeariana e sua difusão pelo mundo; há debates, aulas com os profissionais de várias áreas das montagens do Globe (corpo, voz, texto, análise dramatúrgica), acompanhamento das produções em cartaz e discussões sobre aspectos da tradução em línguas tão diversas. Fui representando o Brasil, durante duas semanas em que se respirava Shakespeare 24 horas por dia. Inesquecível!
Favo: Além de atuar, você também dirigiu peças de Shakespeare?
Pâmio: Além das montagens que fiz em Londres como ator, dirigi três montagens aqui no Brasil com um grupo formado a partir de oficinas que ministrei sobre o teatro de Shakespeare, oportunamente chamado “Filhos de Próspero”: As Alegres Comadres de Windsor, Conto de Inverno e Tímon de Atenas, que se revezavam em repertório no Teatro da Cultura Inglesa e eram apresentadas em português. Também dirigi Noite de Reis com uma turma de alunos na Escola Wolf Maya e novamente As Alegres Comadres com outra turma na Escola Célia Helena.
Favo: Como estas experiências com o teatro e o universo de Shakespeare ajudaram nesta nova montagem de Macbeth?
Pâmio: É sempre bom ter uma experiência anterior, pois a troca é sempre positiva para o trabalho. O Gabriel também vem de uma montagem antológica e inesquecível de Romeu e Julieta, com o Grupo Galpão, e mais recentemente Ricardo III, com os Clowns de Shakespeare. Tenho aprendido muito com ele, principalmente como ele traz à tona toda a poética, a delicadeza e o caráter lúdico contidos em uma obra tão violenta como é Macbeth.
Favo: Qual o seu personagem e como está sendo o processo de criação?
Pâmio: Meu personagem é o Banquo, melhor amigo e braço direito do Macbeth, (interpretado pelo Marcello Antony), e que também ouve das três bruxas as profecias que transformam o destino do protagonista ao longo da história. Só que, enquanto Macbeth trilha o caminho da sombra e comete todos aqueles crimes horrendos, ele se mantém reto e íntegro com sua consciência. É como se ele fosse o “lado bom” de Macbeth, lado esse que o herói-tirano precisa exterminar em sua jornada obsessiva pelo poder. O Gabriel tem se preocupado até a medula com a clareza do texto, optando por uma interpretação não-realista, mais brechtiana e distanciada, por parte dos atores. Somos um grupo de oito atores preocupados em contar a história de Macbeth, mais do que efetivamente “vivê-la”, no sentido stanislavskiano do termo. Todos nós nos revezamos na função de atores, personagens e contrarregras, no afã de tornar a fábula clara e apoiada no poder da palavra.
Favo: Fale um pouco deste período que antecede a estreia: rotina de trabalho, estudos, ensaios, relação com equipe, expectativas para a estreia.
Pâmio: Começamos a ensaiar no início de março, mas já tínhamos material para estudo e leitura desde janeiro, quando tivemos um primeiro encontro com equipe e elenco. Além de muito trabalho de mesa, que envolveu análise profunda da obra e a comparação de várias traduções, o processo também englobou aulas de corpo, música e voz, este último desenvolvido por uma profissional incrível que o Gabriel trouxe da Itália, Francesa della Monica. Ela trabalha o conceito de antropologia e espacialização da voz de uma maneira muito especial, no sentido de unificar o “corpo vocal” do elenco. Foram incríveis as aulas com ela.
Favo: Qual sua expectativa e o que espera deste novo trabalho?
Pâmio: Espero que o público embarque na história desse serial killer através da veia lúdica e poética que o Gabriel propõe como encenador. Que a jornada desse homem que se deixa levar pela ambição desenfreada reverbere na mente e no coração de cada espectador que compartilhar conosco dessa experiência.
Macbeth estreia nesta sexta, dia 1º de junho e deve cumprir temporada até o final de julho. Estão previstas algumas viagens no segundo semestre, mas por enquanto ainda não há definição de agenda.
Pâmio, só tenho a agradecer pela a atenção e gentileza em conceder esta entrevista! Desejo a você, ao Gabriel Vilela e todo o elenco — Marcello Antony, Claudio Fontana, Hélio Cícero, Marco Furlan, Carlos Morelli, Rogério Brito e José Rosa — muito sucesso!
Fotos: divulgação
6 Comentários
Ana Elisa Bueno
junho 6, 2013 @ 00:30
Adorei a entrevista! Acompanho a carreira do Pâmio desde Romeu e Julieta e admiro muito seu trabalho e sua dedicação. Sucesso para Macbeth!
Maurício Mellone
junho 6, 2013 @ 12:14
Ana:
O Pâmio é um dos grandes atores de sua geração, com
prêmios relevantes em Teatro.
Pena q a TV e o cinema não lhe dão o espaço merecido!
abr e volte sempre ao Favo
Rosane
maio 30, 2012 @ 18:14
Parabéns, Pamio! Eu assisti à montagem de Laranja Mecânica, dirigida pelo Olair Coan, e a várias outras peças com o Pamio, recomendo!
Maurício Mellone
maio 30, 2012 @ 22:15
Rosane:
O início da carreira do Pâmio esteve intimamente ligada à do nosso saudoso Olair: eles estavam juntos em Romeu e Julieta e demais trabalhos do CPT-SESC (1982/85),
depois em Língua Perdida (texto e direção de Olair), Pobre Super-Homem (ambos como atores, dirigidos por Sergio Ferrara) e a citada por vc, Laranja Mecânica,
protagonizada por Pâmio e dirigida por Olair. Pena que o destino separou estes dos talentosos artistas, mas nosso Olair está
enviando fluidos positivos ao amigo e parceiro, tenho certeza! bjs e volte sempre que puder!
deborah de paula
maio 30, 2012 @ 15:07
òtima entrevista. Alimenta a vontade de ver a peça e beber da fonte primordial do Shakespeare. obrigada do Favo do Mellone!
Maurício Mellone
maio 30, 2012 @ 22:17
Deborah:
Minha querida, que delícia receber seu carinho e apoio! Esta foi minha intenção: aguçar a vontade
dos leitores em assistir a esta nova montagem de Macbeth.
bjs e obrigado pela força!