De Maurício Mellone em abril 18, 2022
O escritor, ator, diretor e apresentador Lázaro Ramos faz sua estreia como cineasta. Medida Provisória, que acaba de chegar aos cinemas, é uma adaptação da peça teatral Namíbia, não!, de Aldri Anunciação, que Lázaro dirigiu em 2011. Na trama, que se passa num futuro distópico, enquanto há uma movimentação que visa reparação aos negros pelo período da escravidão, o governa emite uma medida provisória — de número 1888, em alusão ao ano da Lei Áurea — em que os negros, ou os de melanina acentuada como são chamados, são obrigados a voltar para a África.
Esta atitude arbitrária provoca uma revolta generalizada, com perseguições e violência, sentidas por todos, em particular pelo núcleo familiar constituído pela médica Capitu, interpretada por Taís Araújo, por seu marido, o advogado Antonio, vivido por Alfred Enoch, e por seu primo, o jornalista/blogueiro André, papel de Seu Jorge.
Alguém já disse que Medida Provisória é o filme certo para o momento certo. Se vivemos numa época em que o racismo estrutural da sociedade brasileira está sendo denunciado e combatido, o filme chega para contribuir com esta discussão. A filósofa e escritora Djamila Ribeiro, em seu livro Pequeno Manual Antirracista, diz que não basta ser contra o racismo:
“A questão é: o que você está fazendo ativamente para combater o racismo? A inação contribui para perpetuar a opressão”.
A ação cinematográfica se passa num futuro distópico, ou numa definição literal, ação hipotética de uma sociedade futura, definida por circunstâncias de vida intoleráveis. No entanto o objetivo do filme é incitar a reflexão, trazer a questão da discriminação e preconceito racial para os dias atuais. A violência vivida por Capitu, Antonio e André não é diferente da vivenciada por cada família negra hoje no Brasil.
Na ficção os negros começam a ser violentamente expatriados, mas os primos Antonio e André conseguem se isolar no apartamento deles, enquanto Capitu foge do hospital onde trabalha e consegue chegar ao afrobunker (um tipo de quilombo), onde os negros que escaparam da brutal caçada humana procuram meios de sobrevivência e formas para resistir ao autoritarismo. No contraponto, Isabel, a funcionária pública branca, que informa e executa a medida provisória, é interpretada por Adriana Esteves; já Renata Sorrah, vive a vizinha da família, que além de fofoqueira é quem colabora com a repressão. Ambas as atrizes já viveram vilãs memoráveis nas telenovelas e levam esta carga dramática agora para o cinema.
O roteiro, assinado por Lusa Silvestre, Aldri Anunciação e pelo diretor, mescla gêneros, indo do humor (principalmente pelo sarcasmo de André), ao dramático, passando por ação e aventura. Chama a atenção o jogo dramático entre os sitiados no apartamento e os confinados no afrobunker. A cena da morte simultânea do negro e do branco evidencia a questão central do roteiro e propicia uma gama de discussões, já que o branco, vivido por Pablo Sanábio, além de ex funcionário do governo espúrio é casado com um dos líderes do afrobunker.
Além do argumento do filme muito bem articulado, Media Provisória se destaca pela direção ousada e sensível, além de interpretações brilhantes de Seu Jorge, Taís Araújo e Alfred Enoch; destaque ainda para as participações de Emicida e Mariana Xavier, além de Aldri Anunciação e Flávio Bauraqui, que estavam no elenco da peça.
Como jornalista branco, gay e avesso a qualquer tipo de violência e discriminação, cheguei às lágrimas várias vezes durante a projeção, na estreia do filme no cinema São Luiz, em Recife. A alegria e emoção com as cenas finais só aumentaram quando a escritora Conceição Evaristo é filmada na frente da imensa manifestação de rua! Na sessão a que assisti, houve grande reação da plateia com o reencontro do casal e no final os aplausos foram contagiantes. Uma dica: vá logo aos cinemas para evitar que os ‘blockbuster’ retirem esta obra prima de cartaz. Outra dica: fique até o final da projeção, cenas complementares são exibidas durante os letreiros.
Fotos: divulgação
4 Comentários
Dinah Sales de Oliveira
abril 27, 2022 @ 12:49
Maurício,
Fui assistir e adorei o filme, bom enredo, ótimos atores, plateia engajada – que bateu palmas quando os ‘bandidos’ tomaram tapa na cara.
Realmente, é o filme pro momento em que estamos, né?
Autoritarismo, racismo, xenofobia, enfrentamento das instituições etc. etc.
Boa resenha, viva o cinema e o Favo do Mellone!
beijos,
Dinah
Maurício Mellone
abril 28, 2022 @ 10:56
Dinah,
o filme para os nossos dias mesmo!
Infelizmente, com tantas cenas racistas
diariamente, o filme do Lázaro vem contribuir
na discussão para o combate ao racismo estrutural
da sociedade brasileira!
Obrigado pelo incentivo!
Beijos
Soraia Nunes
abril 19, 2022 @ 13:10
Adorei a resenha, fiquei com vontade de assitir o filme agora!!!
Maurício Mellone
abril 19, 2022 @ 14:06
Soraia, querida:
que bom q vc gostou do que escrevi sobre
o filme do Lázaro Ramos.
Este é o meu objetivo: incentivar o leitor
a assistir ao filme ou a peça, a ler o livro,
a ouvir as canções ou a prestigiar a mostra
de artes plásticas!
Tenho certeza q vc irá amar Medida Provisória!
Beijos e volte sempre