Rua Qualquer, Sem Número: crônicas/tramas poéticas de Marcelo Brettas

De em fevereiro 1, 2023

Foto de Paulo Gil para a crônica Serenidade

 

Depois do duplo lançamento em 2019, de Tô Levitando e Florestas Imaginárias, o escritor, poeta e jornalista Marcelo Brettas está com nova obra. Trata-se de Rua Qualquer, Sem Número, uma coletânea de histórias escritas em diversos estilos (prosa, poesia, rap, cordel, prosa poética), a maioria delas retratando a sofrida realidade das pessoas em situação de vida nas ruas. O jornalista e fotógrafo Paulo Gil é o autor das fotos e ilustrações do livro: suas imagens ampliam e redimensionam o teor das histórias.

 

Com prefácio do padre Júlio Lancellotti, considerado uma referência no acolhimento aos moradores de rua no Brasil, o livro traz 22 histórias, num misto entre realidade e memória, segundo o autor. Ao final, o posfácio é assinado por Mirian de Carvalho, escritora e crítica literária, que define a obra:

 

“Rua das histórias de ontem e de hoje, rua cantada e relembrada pelo autor, de modo magistral e intenso. Rua percorrida em poesia e prosa, entre o verso livre e o verso metrificado, exaltando cadências e variantes rítmicas, em meio a dicções da crônica e da história curta entremeadas pela prosa poética”, afirma Miriam de Carvalho.

 

“Que a leitura de ‘Rua Qualquer, Sem Número’ nos ajude a superar toda barreira, separação e divisão e nos faça conviver e partilhar o pão.” Júlio Lancellotti

 

 

 

 

Obra lançada pelo Editora Koju

 

O livro foi premiado com ProAC (Programa de Ação Cultural) da Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo e como contrapartida o autor, seguindo um pedido do padre Lancellotti, irá distribuir 400 exemplares aos “que me ajudaram a escrever este livro”, os atendidos pela Pastoral do Povo de Rua.

 

 

 

 

Ultimamente venho passando por desafios profissionais: aqui no Favo posto resenhas/críticas sobre produtos culturais, os mais diversos. Mas analisar uma obra cujo autor é um grande amigo torna-se a tarefa ainda mais desafiadora. Assim como Déborah Paula Sousa, Marcelo e Paulo Gil também fizeram parte da minha turma da PUC/SP. A isenção e a imparcialidade estarão presentes, mas confesso — assim como Brettas fala sobre o seu livro — que escrever sobre as histórias tão comoventes, escritas e fotografadas por amigos, ficou difícil não se emocionar. O que mais me chamou a atenção é a variedade de estilos de que o autor lança mão para contar as histórias. Em Corcel da cor do céu a saga de Zé Beiçudo que virou Zé Farrapo é contada em cordel:

 

 

“Fui então para Recife
Onde fiquei por algum tempo
A vida era bem difícil
Morava mesmo ao relento
Lá tinha ao menos consolo
Do mar, da praia e do vento”

 

 

 

 

Ilustração para a história Gentileza

 

Ainda na linguagem poética, há mais três tramas: Gentileza (sobre o profeta Gentileza), Gueixa e Mala. A poesia das ruas Marcelo usou em Rap rapaz. Em Batom, há um recurso interessante anunciado pelo autor: a triste vida de Soraya é contada na primeira pessoa.

 

 

 

 

 

 

Outro componente a se destacar do estilo de Brettas é a mescla entre realidade e memória. Em Branca Isaura (história da miss que se tornou guerrilheira) fala do horror dos anos de chumbo; em O Jardim de Petronilha, O bruxo da ONU e Fagulhas as lembranças do autor recheiam as tramas. Esta característica está também presente em Hoje tem espetáculo? Tem, sim senhor: Brettas conta de seus passeios pelo centro de São Paulo, na infância e já adulto. Trechos desta crônica provocam uma reflexão profunda sobre o viver nas cidades atuais:

 

“Naquele tempo, as cidades ainda eram construídas para as pessoas, e não para os automóveis.”

“A notícia morre embrulhando a carne do açougue e aqueles corações e almas desaparecem em uma rua qualquer, entre escarros, papel sujo e a urina que fede e escorre pela escadaria da catedral.”

 

 

 

 

Marcelo Brettas, foto de Roberto Candido

São várias histórias comoventes, impossível citar todas. Mas quero destacar mais duas, a que abre e a que encerra o livro (Poeta Náufrago e O inferno de Décio); são relatos de dois homens sábios, com experiências de vida enriquecedoras e que Marcelo Brettas teve a sorte e a honra de conhecer.
Termino a resenha com a dedicatória profética que recebi no meu exemplar:

 

 

“Em diferentes estilos aqui estão contadas histórias tristes dessa sociedade cruel e devastada. Essa história só termina no dia em que todas as ruas deixem de ser moradas e a dignidade seja restabelecida. Este é o meu grito contra a aporofobia.”

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Ficha técnica:
Título: Rua Qualquer, Sem Número
Autor: Marcelo Brettas; fotografia: Paulo Gil
Editora: Koju, 160 pgs
Preço: R$ 50 (solicite pelo WhatsApp 11 99652 7506)


2 Comentários

Marcelo Brettas

fevereiro 3, 2023 @ 16:24

Resposta

Caro Mellone, como já escrevi em algumas redes sociais, fiquei muito emocionado com a sua resenha. Ontem, em um grupo de literatura, o respeitado poeta Celso de Alencar, nascido no Pará e radicado em São Paulo desde os anos 70, declamador de “boca” cheia, deixou um comentário sobre o seu texto que tomo a liberdade de reproduzir aqui: “Puxa, D. Marcelo, parabéns! Vivemos num tempo, triste, em que não há mais críticas, resenhas, não há mais as colunas literárias, nem jornais, nem revistas. Vivemos tempos difíceis. O Favo do Mellone deve ser exaltado. Que extensa seja sua contribuição para a difusão da literatura. Grande abraço deste companheiro.” Assino esse vomentário junto com o amigo Celso de Alencar. Vida longa ao Favo do Mellone. E, às favas quem ignora e ataca a cultura!

Maurício Mellone

fevereiro 3, 2023 @ 16:35

Resposta

Marcelo:
Uau! Além de receber a sua visita aqui, com a sua emoção sobre
minha resenha de ‘Rua Qualquer, Sem Número’, vc ainda me traz um PRESENTE.
O comentário do poeta Celso de Alencar me deixou muito feliz e contente.
Quem trabalha com a palavra sabe que este é um ofício solitário; quando
recebo um retorno (sendo um elogio), a alegria é tamanha!
Muitíssimo obrigado a vc que compartilhou o link do Favo nas suas redes
sociais e gratidão ao poeta paraense pelo reconhecimento.
Sucesso a vc com este novo projeto literário.
Um grande abraço

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