Tropicália, filme de Marcelo Machado, analisa a criativa década de 60

De em setembro 19, 2012

Capa do LP que deflagrou o movimento musical dos anos 60, o Tropicalismo

Na divulgação de Tropicália, documentário de Marcelo Machado que acaba de ser lançado, afirma-se que o filme traça um “panorama definitivo de um dos mais fascinantes movimentos culturais do Brasil”. E não há nesta declaração qualquer exagero.
O filme tem como foco central o movimento musical deflagrado em 1967 com o lançamento do LP histórico Tropicália ou Panis Et Circencis, em que na capa estão Caetano Veloso, Gilberto Gil, Tom Zé, Gal Costa, Rogério Duprat, Rita Lee, Arnaldo Baptista, Sérgio Dias, Capinan, além das fotos de Nara Leão e Toquato Neto.
No entanto, o diretor, que assina o roteiro ao lado de Di Moretti e Vaughn Glover, inicia o filme apresentando o contexto daquele efervescente momento da cultura brasileira: Caetano e Gil ao criar suas canções, estavam inseridos no clima criativo da época, em que nas artes plásticas Hélio Oiticica criava a instalação Tropicália (que batizou o movimento) e os famosos parangolés; no cinema Glauber Rocha revolucionava com Terra em Transe e no teatro Zé Celso Martinez Corrêa lançava o contundente O Rei da Vela, de Oswald de Andrade. Dentro desta ebulição criativa que surge o Tropicalismo.

Cartaz do filme, que traça um panorama da cultura brasileira do final dos anos 60

Por paradoxal que possa parecer, o filme de Marcelo Machado começa com Caetano e Gil já no exílio, numa apresentação na TV portuguesa, ao lado de Raul Solnado, em que procuram definir o movimento ou pelo menos explicar como tinham chegado à Europa — ambos foram expulsos do país depois de ficarem presos por dois meses e mais quatro meses de reclusão.
Salto e numa narrativa ágil e rica em imagens raras de arquivo, os artistas começam a dar seus depoimentos, intercalados com entrevistas dadas naquela época. Além do contexto cultural — a interação entre artes plásticas, música, teatro, cinema e literatura—, o filme mostra a feliz e rica associação entre a canção e a TV. Programas como Fino da Bossa, Jovem Guarda, Divino e Maravilhoso e os polêmicos Festivas de MPB revelam a evolução criativa dos compositores e intérpretes.

Criação X Repressão

Machado enfatiza, até graficamente quando brinca com os números das datas, a mudança ocorrida naquele período. Se até 1967 o país vivia o vigor criativo e a liberdade de expressão era uma realidade (mesmo com o golpe militar de três anos antes), a partir de 1968 com a decretação do famigerado AI-5, que suspendeu as atividades do Congresso Nacional e cerceava as liberdades individuais, tudo se modificou. A censura radical, aliada à violência e truculência dos poderosos de então, provocou um êxodo cultural. O exílio foi a opção de muitos artistas, inclusive para Caetano e Gil, que permaneceram em Londres por anos. O filme retoma neste take a entrevista de ambos na TV portuguesa e tudo parece mais claro.
A mudança do clima no país de 1967 para 1968 é ressaltada mais uma vez por meio de imagens: somente após o AI-5 que os artistas aparecem na tela dando seus depoimentos; até então não apareciam, entravam em off.
Além do olhar analítico daquele momento cultural, Tropicália traz um painel musical encantador e emocionante: cada canção executada no filme traz não só o registro da época como revela sua importância estética. Difícil não se emocionar com as apresentações de Caetano, Gil, Os Mutantes, Gal Costa, Tom Zé, Nara Leão e Maria Bethania (há o registro de ambas no show Opinião cantando Carcará de João do Vale e José Cândido). Mas ressalto a apresentação de Caetano na França, num programa de TV, cantando Asa Branca, em que fica evidente a melancolia dele no exílio. E de Gil, o destaque é para Back in Bahia:

Tanta saudade/
Preservada num velho baú de prata/
dentro de mim”.

 

Marcelo Machado: dirige e assina o roteiro ao lado de Di Moretti e Vaughn Glover

Marcelo Machado fecha com maestria o documentário, fundindo a apresentação desta música com Gil e Caetano no estúdio cantarolando; o olhar brilhante e as lágrimas de Gil falam por si.

 

Fotos: divulgação e acervo pessoal


8 Comentários

Lilian

fevereiro 23, 2016 @ 16:05

Resposta

Gostaria de saber se existe a possibilidade de exibir este documentário gratuitamente num espaço publico, fechado, em Florianópolis no mês de março. Se for possível, como devo proceder para ter esta autorização ou liberação ou ainda termo de cessão. Muito obrigada. Lilian

Lilian

fevereiro 23, 2016 @ 16:06

Resposta

OBS. O espaço publico é uma Escola de musica

Maurício Mellone

fevereiro 24, 2016 @ 10:21

Resposta

Lilian,
volte sempre ao Favo, terei o maior prazer em
receber seus comentários sobre minhas resenhas culturais
abr

Maurício Mellone

fevereiro 24, 2016 @ 10:20

Resposta

Lilian,
bom dia
Esta resenha eu redigi há muito tempo
e não tenho contato com a produção do filme.
Infelizmente não poderei te ajudar;
boa sorte
abrs

José Edvardo Pereira Lima

outubro 2, 2012 @ 10:42

Resposta

O filme me tocou, não apenas por ter sido um expectador do movimento tropicalista, mas também por ter convivido diretamente com essa efervescência. Na ocasião, uma amiga cuidava da agenda do Caetano, Gil e Gal, e toda vez que havia oportunidade, estava com eles, na platéia e nos bastidores.
Só ressenti de não destacarem com mais ênfase a participação da Gal Costa, que, quando os dois ficaram exilados em Londres, ela continou mantendo acesso o movimento, gravando as músicas que os baianos compunham no exílio. Inclusive, não há no documentário um registro do show emblemático que ela apresentou no Teatro Ruth Escobar – Gal – Fatal A Todo Vapor -, que resultou no disco do mesmo nome. No repertório ela vai de Assum Preto a Roberto Carlos, Ismael Silva, Jards Macalé, Jorge Ben.

Maurício Mellone

outubro 2, 2012 @ 14:47

Resposta

Zedu, querido:
Vc tem toda a razão, a Gal merecia mais destaque mesmo no documentário, pois, como bem lembrou vc, ela
passou a ser a voz dos dois baianos exilados aqui no Brasil, gravando as canções compostas em Londres.
Mesmo com esta consideração, o filme é emocionante e ao mesmo tempo educativo (as novas gerações
têm a chance de conhecer mais a fundo a produção tropicalista).
Bjs e obrigado pela presença constante por aqui!

deborah

setembro 20, 2012 @ 00:09

Resposta

Somos todos herdeiros do tropicalismo e é por isso que o filme nos toca tanto. Me emocionei demais com a cena da capoeira em Londres, ao som de London London e com o depoimento inacreditável do Tom Zé. Que bom visitar este blog.

Maurício Mellone

setembro 20, 2012 @ 15:14

Resposta

Deborah:
Vc tem toda a razão, somos herdeiros do Tropicalismo.
A cena em Londres é emocionante mesmo; mas a cena em que cantam Back in Bahia, com Gil e Caetano no estúdio
cantarolando, é o máximo; o olho lagrimejante de Gil me levou às lágrimas!
Hiperobrigado por sua visita, volte sempre. Fico muito honrado com sua presença, sempre poética, por aqui.
bjs

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