De Maurício Mellone em novembro 12, 2021
Novamente o escritor baiano Itamar Vieira Junior surpreende o público leitor com uma obra que desvenda a estrutura social do Brasil contemporâneo. Depois do consagrado e premiado Torto Arado, o autor lança Doramar ou a Odisseia – Histórias, uma edição da Todavia, com 12 contos de histórias contemporâneas e que retratam a estrutura cultural e social do país: relatos da negritude, dos povos originários, dos ribeirinhos e, principalmente, de mulheres fortes que sabem lidar com as mais adversas situações de vida.
Geógrafo e doutor em estudos étnicos e africanos pela UFBA (Universidade Federal da Bahia), Itamar Vieira Junior já havia lançado parte destes contos em A oração do carrasco/2017, finalista do Prêmio Jabuti em 2018. O livro atual reúne os primeiros contos e outros cinco inéditos.
Com uma narrativa envolvente, que captura o leitor desde a primeira linha, o autor de 42 anos traz, em suas histórias, relatos com um rigor de detalhes que descrevem com nitidez o modo de vida das pessoas simples. O leitor tem a impressão que está vivendo a situação descrita no conto. Temas da negritude e ancestralidade, dos povos ribeirinhos e dos indígenas, já retratados no premiado romance, estão de volta nos contos de forma ampliada. No entanto, a força da mulher, que sabe lidar com as circunstâncias mais adversas, também está redimensionada em algumas histórias deste livro. É o caso de Voltar, que mostra a saga de Divina, uma mulher que foi abandonada quando nasceu, foi criada por uma velha parteira e aprendeu o ofício. Em toda a sua vida fez o nascimento das crianças do povoado, mas se afeiçoou a um garoto, que a mãe adolescente morreu no parto e Divina foi obrigada a entregá-lo para outra mulher criar.
“Ela acredita que este homem irá voltar, porque ela enterrou o umbigo dele no quintal.”
Em Alma, o escritor traz a saga de uma mulher negra, empregada doméstica, que em suas lembranças conta as histórias da avó que sobreviveu vindo da África. O leitor tem ciência do preconceito que esta mulher (e todos seus antepassados) viveu e o final surpreendente justifica os atos cometidos por ela.
Outro conto que deve ser ressaltado é O espírito aboni das coisas, que mostra a luta de Tokowisa, um guerreiro da tribo Tabora, para salvar sua mulher Yanici, vítima de um feitiço da tribo rival. Ele tem de trazer folhas e frutos de uma palmeira para salvar a mulher que está grávida e desta maneira a sabedoria dos povos originários é ressaltada: como o índio sabe lidar e preservar a Natureza, ao contrário do homem branco, tido como civilizado.
Outro conto que chama a atenção é A oração do carrasco, que traz o olhar de um carrasco para a vida (por mais paradoxal que isto possa parecer) e a “iniciação do filho-carrasco”. Entretanto, o escritor relaciona a vida deste carrasco com o momento em que vivemos (quantos carrascos que somos obrigados a conviver!) e finaliza o conto de forma contundente:
“Alguns carrascos se travestiram de presidentes, reis, anjos, salvadores, redentores, guias, líderes e nem sequer tocaram a pele de suas vítimas… Continuaram a viver e morreram sem que a culpa os tivesse alcançado.”
No conto que dá título ao livro, Doramar é uma empregada doméstica, moradora de uma favela, que, ao subir no ônibus que a levará para o emprego, começa a ter lembranças de sua vida. O autor mescla a vida real da personagem com o imaginário desta mulher e termina de forma poética:
“ Vou tecendo minha cama no chão de lama para descansar da vida. Para poder deitar e dormir.”
Se o artista, de todos os setores da cultura, tem receio da segunda obra, principalmente se a primeira teve êxito e sucesso, Itamar Vieira Junior não precisa se preocupar. Doramar ou a Odisseia revela o poder de sua narrativa e sem dúvida seu nome já está devidamente registrado na história da literatura brasileira.
Ficha técnica:
Titulo: Doramar ou a Odisseia
Autor: Itamar Vieira Junior
Editora: Todavia/160 pgs
Preço: R$ 49,90, e-book R$ 39,90
Fotos: divulgação
2 Comentários
Adriana Bifulco
novembro 13, 2021 @ 00:46
Ma, querido, já pensava em ler Doramar porque amei Torto Arado, indicado por você. Agora, tenho certeza. A riqueza de detalhes do seu texto é mais do que um incentivo para conhecer este novo trabalho do Itamar Vieira Júnior. Obrigada pela maravilhosa resenha!!
Maurício Mellone
novembro 13, 2021 @ 09:02
Dri, querida:
Muito obrigado pela presença
e pelos elogios.
Vc q me indicou este livro, que adorei.
Fico feliz q tenha ficado com mais vontade
de ler as histórias do Itamar.
Bjs e volte sempre!