A roupa do corpo: romance fecha a tetralogia de Francisco Azevedo

De em maio 12, 2022

 

No quarto livro da série, escritor narra a saga de João Fiapo em busca do autoconhecimento

 

 

Vim a conhecer o escritor, poeta, roteirista e dramaturgo carioca Francisco Azevedo somente este ano. No entanto, depois de ‘devorar’ seu primeiro romance, O arroz de Palma, não parei mais de segui-lo e tive a grata satisfação de acompanhar a sequência de sua tetralogia: Doce Gabito, Os novos moradores e agora A roupa do corpo, todos lançados pela Editora Record.

 

Exímio contador de histórias, Azevedo, com uma linguagem fluente contida em capítulos curtos, prende o leitor deste as primeiras linhas. Desta vez a trama é focada na saga de João Fiapo, um rapaz que nasceu em Convés, pequena cidade do litoral do Rio de Janeiro, filho de Olímpia e Antenor, uma costureira e um pescador, e que aos 18 anos parte para a capital, tornando-se um dramaturgo de sucesso. Entretanto, com alma de cigano, Fiapo ganha o mundo: mais do que conhecer lugares, culturas e pessoas seu objetivo é encontrar-se. Sempre na primeira pessoa, a trama acompanha a vida do narrador, desde a infância e adolescência em Convés, sua vida de teatrólogo no Rio, seus encontros, desencontros e amores pelo mundo até o fatídico ano de 2020 em que o mundo parou em razão da pandemia do coronavírus.

 

 

Os leitores e fãs do escritor terão um prazer extra com este romance: diversos personagens dos outros três livros cruzam o caminho do protagonista e “apontam, de forma inexorável, os vínculos que nos constituem e nos acompanham pela existência”, como afirma a escritora Andréa Pachá na orelha do livro.

 

 

Francisco Azevedo: escritor, roteirista, poeta e dramaturgo

 

 

 

 

 

Como a fala do personagem central é direta, íntima, com o decorrer de sua trajetória o leitor passa a ser seu cúmplice. Muitas de suas divagações são ensinamentos de vida e chego a deduzir que, mais que Antonio do primeiro romance, Fiapo é o alter ego do autor. No final do enredo, Fiapo já um sessentão dispara, dentre várias reflexões, uma que justifica o título da obra:

 

 

 

“Todo corpo merece atenção e cuidados, porque é roupa sagrada que nos protege o invisível, a alma, os sentimentos”.

 

 

 

 

 

 

 

 

Antes de iniciar a leitura, sabendo que personagens dos outros livros estariam de volta, tive receio de não lembrar de quem se tratasse ou da situação vivida por eles. Mas o autor introduz os antigos personagens de forma natural, mostrando que Fiapo é contemporâneo deles. Assim o rapaz é levado a uma das famosas festas promovidas pela cantora Vicenza Dalla Luce, na rua dos Oitis, palco da trama de Os novos moradores. Com o sucesso das primeiras peças teatrais de João Fiapo, as recepções após as estreias acontecem na casa de Vicenza, onde o rapaz é apresentado a um diplomata, que lhe conta um pouco sobre  a carreira. E quem é este diplomata? Francisco Azevedo, que já havia participado de Doce Gabito, como o escritor que editou os escritos de Gabriela Garcia Marques.

 

 

Lançado pela Editora Record

 

 

Outra conexão entre as obras: Fiapo é levado por Lorena, a namorada da infância, ao restaurante da Rua do Ouvidor, de Antonio e Isabel, protagonistas de O arroz de Palma. Nesta primeira vez ele não conhece o casal, mas se encanta com o lugar e principalmente pela história do arroz que não estraga; tempos depois vai visitá-los na fazenda Santo Antonio da União, onde acontece a comunhão entre os personagens.

 

Uma marca do estilo do autor é o misticismo que imprime às tramas e às situações vividas pelos personagens. Antonio ao relatar a saga familiar mistura sonho e realidade; Gabriela tem sonhos quase que reais e seu guru é o xará famoso, o escritor colombiano Gabriel García Márquez. Cosme, o protagonista de Os novos moradores, também tem visões e premonição. Fiapo não é exceção à regra, pelo contrário: em várias passagens é guiado por sonhos e visões. Por exemplo, quando o relógio marca 11:11 algo decisivo vai ocorrer em sua vida. Ele também se dirige pelo sonho das quatro facas que giram, indicativo que deve seguir em frente em sua decisão. Fiapo também encontra uma cigana que dá pistas de seu futuro e, em Londres, ele tem uma experiência mística com Maria Maiestas.

 

 

 

 

 

 

 

Mais uma ligação entre os romances da tetralogia, talvez a mais inusitada e que demonstra como as tramas se interagem. Fiapo cruza na estrada (durante o período sabático que ele lhe proporcionou) com Gabriela, que também viajava a esmo pelo país ao lado de Verônica. Se no início houve atrito entre eles, a convivência em lugar neutro e paradisíaco fez nascer um amor verdadeiro, o que ambos buscavam! Desta relação, acontecem os encontros entre os personagens dos quatro livros: os dois vão morar na Rua dos Oitis, conhecem Cosme, Amanda e Petra, que os levam à fazenda Santo Antonio da União, administrada por Bernardo (neto de Antonio). Fiapo resume este encontro:

 

“Éramos elos essenciais que compunham forte conexão. Conexão dos que trabalham por tempos mais brandos, mais lúcidos, mais saudáveis.”

 

 

A obra de Francisco Azevedo, por retratar relações familiares e os sentimentos mais profundos do ser humano, provoca uma identificação imediata com o leitor. Impossível não ficar envolvido com os dramas relatados, não se identificar com um ou mais personagens e não se emocionar. Como jornalista, crítico de arte e gay, me vi retratado em alguns momentos, com o adorável Jorge, tio de Fiapo, e principalmente com o dramaturgo nascido no interior, que joga toda a energia vital em busca do autoconhecimento. Fecho esta resenha com as reflexões finais de Fiapo, desejando que representem também o nosso cotidiano:

 

 

“Percebi que nossos figurinos eram dos mais belos deste fabuloso enredo que, corajosa e teimosamente, todos protagonizamos: a vida cotidiana — que é tragédia e comédia e aventura e drama e sonho. Dor e prazer até o derradeiro ato.”

 

 

 

 

Ficha técnica:

Titulo: A roupa do corpo
Autor: Francisco Azevedo
Editora: Record, 532 pág
Preço: R$ 61,60

 

 

 

 

Fotos: divulgação

 

 


6 Comentários

Marilene

maio 12, 2022 @ 18:28

Resposta

Resenha maravilhosa, a obra do Francisco merecia uma consideração dessas, perfeita.

Maurício Mellone

maio 12, 2022 @ 18:36

Resposta

Marilene,
fico feliz que tenha gostado da resenha.
A obra do Francisco Azevedo é maravilhosa!
Vc leu as resenhas de todos os livros dele?
Um abraço, obrigado, volte sempre

Adriana Bifulco

maio 12, 2022 @ 17:46

Resposta

Eu que agradeço, querido. Beijo grande

Maurício Mellone

maio 12, 2022 @ 18:37

Resposta

Dri, beijos

Adriana Bifulco

maio 12, 2022 @ 16:12

Resposta

Quanta poesia nessa resenha! Um convite maravilhoso para quem não conhece o trabalho de Francisco Azevedo ou para quem ainda não leu Os Novos Moradores é A Roupa do Corpo, como eu.

Maurício Mellone

maio 12, 2022 @ 16:53

Resposta

Adriana, querida:
Tenho certeza q vc vai adorar os 2 que faltam para vc
completar a tetralogia do Francisco Azevedo.
Muito obrigado pelo incentivo
Beijos

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